"Se chorei ou se sorri, o importante é que em Poções eu vivi"

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Hoje, 28 de janeiro de 2013 - Chico, 100 anos


Por Pedro Sarno (*) 

Tio Franco, de Poções, que só é franco no caráter e nas atitudes. Tio Chico, que é sanfranciscanamente puro, como o é o outro, de Assis. Sebastiano Amedeo, nome imposto, sabe-se lá porque, na pequena Mormanno, molti anni fa. São muitas as palavras para designar uma só personalidade, como são necessárias muitas palavras para formarem uma oração ou uma poesia: no nosso caso representam um santo. Sim, porque santificado é o homem que leva uma vida de retidão, de fraternidade, de honestidade e de bondade.

Sua presença respira, inspira e transpira alegria e bondade.

Convidado por Meu Pai desenraizou-se da sua bela, selvagem e montanhosa Mormanno, com sua família, vindo implantar-se na nossa cidade, onde o carinho e a amizade de todos transformaram-no nessa legenda de bondade. Trazia o agitado Pietro e o tranqüilo Michele e mais tarde nasce a doce Elisa e o simpático Luiz Eduardo, ambos frutos da terra. Dessa terra que os acolheu carinhosamente. Sabe-se que as árvores quando transplantadas adultas muitas vezes se ressentem e às vezes secam. Mas, o solo da nossa cidade formado pelas mentes e corações de todos, fizeram com que se firmassem e crescessem, com seus filhos, atingindo a terceira idade com o respeito, a admiração e o carinho dos que o conhecem.

 Para ficar entre nós deixou sua cidade implantada no alto de uma montanha, com suas casa construídas com pedras centenárias, todas agrupadas como num presépio e parece que se juntam para melhor resistirem ao vento e ao frio que sopra lá em cima, para vir a uma outra cidade, cujo desígnio maior se projetava para o futuro. Sua cidade natal vista do alto mostra a coloração vermelha dos seus telhados e o cinza das suas paredes de pedras. Deixou a piazza Umberto I com a Cattedrale S. Maria Del Colle, na qual há um degrau na parede lateral, onde os homens se reuniam para papear e a todo momento recebe-se um convite para prendere un bichiere de vino, convite esse sempre gostosamente aceito. 
A Cattedrale é imensa em relação à sua população, mas por ela se mede o tamanho da fé dos seus filhos. Deixou a Chiesa de S. Rocco, o Faro Votivo ai Cadutti Calabresi, que fica a cavaleiro da cidade e de onde se domina toda a paisagem. De lá se avista um vale, cercado de montanhas rochosas e cujos cumes parecem sentinelas com capacetes de aço. Trocou a neve de sua terra pelas água quentes e correntes dos nossos rios. Trocou as uvas da Calábria pelas uvas de Poções. Trocou o ar frio de sua montanha pelo clima também frio da nossa. Trocou os cuores aquecidos dos seus conterrâneos pelos corações quentes da amizade dos seus muitos amigos e parentes. O que ele não trocou foram os sentimentos, a pureza e a serenidade de espírito.

É impossível falar de tio Franco sem falar em Ana Maria, como impossível falar em Ana Maria sem falar em tio Franco. É a junção dos puros, da harmonia, dos perfeitos e do amor.

Que vida curiosa tiveram eles: metade na sua terra natal e outra metade nesta a qual souberam conquistar.

Conhecemos tio Franco antes de vê-lo. É que Meu Pai, ao regressar da Itália, falava nele, sempre com palavras elogiosas e não descansou enquanto não conseguiu tê-lo junto a si. E sua Ana Maria foi sem dúvidas uma das melhores, senão a melhor amiga de Donaninna, Minha Mãe, numa união de espíritos e corações que não se encontra com facilidade.

Travando sua batalha do dia a dia, construiu seu patrimônio material e, sobretudo o espiritual. Simples e bondoso no trato com as pessoas, vendo no outro sempre um semelhante, criou em torno de si uma legenda, diria um halo de simpatia e alegria, daquela alegria interna de quem viveu para o bem e combater o bom combate.

Conversa como um bom italiano, agitando as mãos e refletindo na face aquilo que vai na alma. Fisionomia transparente, porque nada tem a esconder. Transparência que mostra a pureza de sentimentos que o anima. Pureza que é o motor que anima e impulsiona seus gestos, suas atitudes, seu comportamento.

Incapaz de ofender, praticamente não necessita perdoar, pois não têm desafetos. Nunca o ouvi palavras de recriminação, mesmo quando tinha motivos para fazê-lo.

Graças à sua herança telúrica que leva os peninsulares à não se afastarem da terra, construiu o seu refúgio em Morrinhos. Entre árvores, flores, aves, o rio, as estrelas e o firmamento, recupera suas baterias de bondade para utilizá-las em velhos e novos amigos.

Chega aos oitenta anos com o controle físico e espiritual do corpo e da alma. Conseguiu deixar a marca da sua personalidade ao longo dos caminhos que percorreu. Deixou pedaços de sua alma, mas forma as partes do amor e da amizade que logo se reconstituíram porque a matéria prima para esta reconstituição nunca lhe faltou.

Olhando para seus filhos, netos, parentes e amigos, muitos amigos e muito, muito em especial para a sua Ana Maria, ele pode erguer os olhos para cima e agradecer ao Criador por tudo o que lhe deu ao longo de sua vida: saúde, paz, amizade, carinho, amor, e tudo aquilo que constitui a meta de todos nós, que é chegar a uma fase da vida em que realizamos os nossos mais íntimos desejos e as nossas mais secretas aspirações.
Anna Maria e Chico Sangiovanni
 A árvore se conhece pelos seus frutos. Contemplando zio Franco com zia Ana Maria, seus filhos e netos, podemos seguramente afirmar: Eis um homem feliz, eis um homem realizado. Eis um homem que realizou a maior tarefa que alguém pode se propor, que é a construção de um reino, que é acima de tudo um REINO DE AMOR.


(*) Pedro Sarno é sobrinho, escritor e professor. Escreveu esse texto pela passagem dos 80 anos de Chico, comemorados no sítio de Morrinhos - Poções - Ba, em 1993. Naquela época, recordo que sentei com Pedro no sofá da nossa casa e ele leu o texto para que eu fizesse a avaliação do conteúdo e do tamanho. No final, emocionados, ele pergunta: Tá bom?
Tão bom que publico na íntegra, 20 anos depois.

Nota do blog: 
Chico Sangiovanni faleceu em Vitória da Conquista no dia 01 de abril de 2004, aos 91 anos de idade. Anna Maria faleceu em Poções no dia 09 de fevereiro de 2011, aos 87 anos.
Estão enterrados no Cemitério de Poções em mausoléu projetado por ele.


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Um comentário:

  1. Convivi pouco com o "Velho Chico", mas mesmo assim lembro-me muito bem da alegria e do carinho que ele sempre nos recebia. Um senhor amável, sempre sorridente. Um grande homem que faz muita falta não só à sua familia, mas a todos que tiveram a oportunidade de desfrutar de tamanha sabedoria. Um abraço a Lulú, Guel, Elisa e Pepone.
    André Fagundes.

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