"Se chorei ou se sorri, o importante é que em Poções eu vivi"

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Quante male hai?


A vinda de Chico, meu pai, para o Brasil ocorreu no Natal de 1951, quando viajou para Gênova. Embarcaria no dia 28 no navio Provence, em companhia de Anna Maria - minha mãe, e meus dois irmãos – Pietro e Michele, com cinco e três anos, respectivamente. Desembarcaram no porto de Santos em 09 de janeiro de 1952.

Foram doze dias de viagem. Michele ficou doente por um bom tempo que esteve embarcado. Meus pais revezavam na enfermaria do navio para acompanhá-lo no internamento.

A bagagem estava acomodada em grandes baús que foram embarcados por via terrestre, diretos para Poções. Chegaram de avião em Salvador no Aeródromo de Santo Amaro do Ipitanga (assim se chamava o atual Dois de Julho) e foi recebido por Vincenzo Sarno (pai de Fidélis do Arroz).

Vincenzo morava no Brasil desde os doze anos de idade. Dominava a língua portuguesa, mas ainda carregava o sotaque italiano de criança. Recebeu a nossa família e perguntou sobre as malas:

- Quante male hai? (Quantas doenças você têm?)
- Non c´è male, respondeu meu pai. (Não tem doença)
- Come non? (Como não?)
- Michele è stato malatto sulla nave, adesso stà bene! (Michele esteve doente no navio, agora está bem!)

Vincenzo, ouvindo a resposta do meu pai, percebeu a troca das palavras e refez a pergunta:

- Scusate, quante valigie hai? (Desculpe, quantas malas você têm?)

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Para os que chegavam em Poções, a preocupação era aprender rapidamente o português. Os italianos que já estavam ali, por força das circunstâncias da nova terra e dos diferentes dialetos do sul da Itália, falavam uma terceira língua, misturando italiano e português. Era comum falarem entre eles na língua pátria. Talvez, a explicação porque os italianos continuaram com o sotaque carregado por muito tempo e os seus descendentes não desenvolveram a língua italiana, naturalmente.

Fornello (fogão), já havia se transformado em Fogone.

Assucaro se pronunciava a palavra açúcar. Era a mistura de Zuchero com açúcar.

Já a palavra Feijão (fagioli) se transformou em Fejon.


domingo, 6 de dezembro de 2015

Lampando

Giuseppe Schettini, mais conhecido como Zé Schettini, era um dos personagens italianos da nossa Rua da Itália. Morava no casarão. Certas épocas, em Poções, o frio em Poções era de “doer”. Vestia a capa Colonial, um chapéu e ficava imóvel na porta da casa, observando o pouco movimento no início da noite.

Naquela momento, relampejava muito. O sobe e desce era sempre de moradores e de outros italianos que tinham o costume de andar depois das refeições. Zé Schettini era dessas pessoas fechadas, mas de um humor presente.

No vai-e-vem, outro italiano passou e perguntou pra ele em clássico dialeto:

- “Giuseppe, vedere come stà lampando...”

Ele respondeu na lata:

- “Lampando stà il culo toio, cazzo...”

quarta-feira, 6 de maio de 2015

O homem que redescobriu o Brasil

Em 1982, quando fui a Poções votar, algumas pessoas me cobraram se já havia escolhido o candidato a Deputado Federal. Desconversava e dizia que sim. Logo, vinha a pergunta indiscreta:

- Quem é? Vai votar em quem?
E eu respondia: Carlos de Andrade.
Carlos de Andrade? quem é esse? Nunca ouvi falar!!!

Naquele ano, houve o acidente de helicóptero que vitimou o candidato Clériston Andrade. Foi escolhido o ilustre desconhecido João Durval e este ganhou a eleição para o governo do estado, após quinze dias de campanha política por conta do apoio de ACM (assim começou a nascer João Henrique Barradas Carneiro, ex-prefeito de Salvador).

Eu convivi muitos finais de semanas em Conquista e havia conhecido o candidato Carlos de Andrade em reuniões de família quando ainda namorava Bete. Gostava da forma que ele governava a cidade (era o prefeito) e que poderia ser um grande Deputado Federal, como assim foi.

Carlos de Andrade é o mesmo Raul Carlos de Andrade Ferraz e se elegeu com exatos 38.872 votos. Depois, em 1987, tornou a se candidatar e se reelegeu.
Raul Ferraz (Foto: Luiz Sangiovanni)
Agora, em março, estava numa festa na cidade de Conquista e veio aquele senhor vistoso sentar-se à nossa mesa e foi contando a história do redescobrimento do Brasil. Apresentei-me como seu eleitor e fiquei ali pensando que Raul Ferraz poderia imaginar que eu fosse um aventureiro querendo fazer “média”, mas fui logo contando a história de Carlos de Andrade.

Raul, depois de vastos estudos, escreveu, em 2008, o livro O Prado e o Descobrimento do Brasil (Thesaurus Editora), que teve a sua segunda edição lançada em 2010. Ele prova que Pedro Álvares Cabral esteve no Prado antes de seguir para Porto Seguro. Sob a luz da carta de Pero Vaz de Caminha, fundamenta a verdadeira história do descobrimento.

Em resumo, Raul cita que a esquadra de Cabral, no dia 22 de abril, fez o primeiro avistamento, a primeira ancoragem, batizou o monte com o nome de Monte Pascoal e deu o primeiro nome à TERRA DE VERA CRUZ, passando a primeira noite ancorado sob o céu do Brasil, exatamente na costa do município do Prado.

Ainda no dia 23, efetuou a segunda ancoragem a meia légua da barra do Rio Cahy. Ocorreu a ida de Nicolau Coelho para ver o rio. Houve a tomada de posse da terra e a solenidade do primeiro encontro com 18 a 20 homens pardos, todos nus. Dormiu ancorado na barra do Rio Cahy, na costa do Prado.

No dia 24, descreve Raul, houve uma reunião com os Capitães na nau capitânea e depois rumaram ao norte a procura de um porto, quando chegaram a Porto Seguro.

Ele ainda me perguntou se eu conseguia ver o Monte Pascoal a partir de Porto Seguro. Viajo constantemente por aquela região, principalmente de Eunápolis a Teixeira de Freitas, e afirmei que o Monte Pascoal pode ser visto a partir da BR101, mas pro lado de Itamaraju, e nunca a partir de Porto Seguro.

O livro é uma viagem ao descobrimento com as inúmeras afirmações corretas e é um documento que prova que o Brasil foi mesmo descoberto no município do Prado. Comercialmente, não interessa para Porto Seguro que estes fatos sejam divulgados, mas o meu candidato e historiador, Carlos de Andrade, está corretíssimo na sua interpretação.

Viva o Brasil, viva o Prado!!!


segunda-feira, 4 de maio de 2015

Maio

Chegada das Bandeiras, em Poções (Foto: Ricardo Sangiovanni)
Por Suerlange Ferraz
Os primeiros sinais que maio está chegando é o vento que circunda a madrugada, as nuvens cinzentas que escondem o brilho das estrelas.
Maio chegou!  Para muitos, um mês como outro qualquer, mas para quem mora ou é filho de Poções, o mês é repleto de emoção, simbolismo e, sobretudo, muita fé.
É mês dos Devotos do Divino. É o mês de a emoção percorrer a cidade, da memória ser revivida. É época de agradecer por tudo que temos e somos. É recordar-se dos devotos que foram habitar o plano celestial e que, de lá, devem estar louvando e em comunhão conosco.
A cidade ganha uma nova rotina. Uma festa tão esperada que finda tão rapidamente. Momentos que ficam eternizados na memória de quem com emoção repete a cada ano que “ Os Devotos do Divino vão abrir sua morada [...] que o perdão seja sagrado e que a fé seja infinita [...] que a justiça sobreviva [...] a bandeira segue em frente atrás de melhores dias”. Que a justiça sempre sobreviva, talvez essa parte tenha se tornado um refrão na vida de muitos. Muitos que vivem a vagar pelas noites frias, outros tantos que lutam bravamente por uma sociedade mais igual e mais humanitária. Que os representantes do povo nunca esqueçam que a justiça deve sobreviver sempre.
Que a fé seja sempre infinita. Fé em si mesmo, fé na vida, fé em tudo que fores fazer. Que assim como os devotos, nossa fé seja renovada constantemente.
Flores e lágrimas, fé e emoção, diversão e música, frio e devoção: é a festa do Divino ou Festa de Pentecostes dando seus primeiros sinais. Quantos aguardam ansiosamente o estourar dos fogos anunciando que a Festa começou? O barulho dos cavalos no decorrer da chegada das Bandeiras já pode ser sentido na memória. De quem ficou, emoção; de quem se foi, saudade doída.
É festa do Divino! É época de aconchegar-se em meio à multidão na festa de largo. Época de divertir-se no meio do encanto dos parques. Dar um pulo na Mostra Cultural e desfrutar de uma boa música. Tempo propício aos bons encontros, tempo propício para recordar de tantos cidadãos que foram responsáveis por transformar a festa em um evento que ultrapassa as barreiras.
Cresci ouvindo e vendo a magia da festa. Cresci ouvindo os “causos” contados por meu pai (Gil) e minha avó (Dona Filinha) sobre como eram confeccionadas as inúmeras bandeiras que eram costuradas na casa de vovó. Lembro-me do meu pai contar como era realizada a alvorada. Tornei-me uma adulta que sempre leva na memória os tantos significados que essa festa tem em minha vida.
Tantos devotos espalhados pela dimensão terrestre, mas que se juntam espiritualmente para saudar o Divino.
As flores nas janelas já foram postas. Venha Divino, venha. Abençoa-nos! Depois que a bandeira passa, a vida é mais alegre e a fé é renovada.
Bem vindo, Maio!
Que o fogo abrasador reacenda a chama que havia apagado no coração de quem anda descrente.
Fé, justiça e emoção. É a Festa do Divino!
Suerlange Ferraz Su Ferraz é professora de História e contista
http://suferraz17.blogspot.com.br/

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Fedele e o Centro Cultural

Fedele Sarno (foto arquivo pessoal Eduardo Sarno)
Tão logo foi lançado o nome do Centro Cultural, em Poções, eu achei muito boa a ideia, mas confesso que achei um exagero a homenagem para uma pessoa que nunca esteve na nossa cidade.

Fiquei com esse sentimento por algum tempo e ninguém questionou a homenagem. Então, Fidelão, o dono do espaço, estava correto e o “público” satisfeito. Zero a zero.

Um dia depois da inauguração, eu estava no aniversário de uma das bisnetas de Fedele, ao lado de sete netos dele, quando me perguntaram como foi a inauguração do Centro. Havia lido os comentários e contei que tinha sido um sucesso.

Conversas à parte, um dos seus netos, Zé Fidélis, perguntou se eu poderia fazer uma palestra na sua empresa de engenharia.

- Qual o assunto que você quer que fale?

- Qualquer um, respondeu ele. Você escreveu uma crônica questionando o que uma pessoa de Mormanno foi fazer em Poções, lá pelos anos de 1900. Esse é um bom assunto, me disse Zé Fidélis.

Caiu a ficha, voltei para o Centro Cultural. De imediato, pensei, Fidelão tem razão! Tá explicada a razão do nome do Centro. Essa foi uma grande ideia.

Quem conta melhor a história da família é Eduardo Sarno, também neto de Fedele, no seu blog da familia Sarno. Eu tenho apenas de jusificar a queda da ficha.

Fedele nunca veio ao Brasil, tão menos a Poções. Quem veio nos anos 1890, foi o irmão de Fedele, Francesco Sarno (tio Chico), que iniciou a sua entrada no Brasil por Manaus e depois parou em Poções. Não da mesma forma que Pero Vaz de Caminha escreveu para o rei de Portugal, Francesco escreveu para Fedele e contou as boas novas de Poções e região. Fedele, então, mandou o seu filho Vincenzo com 12 anos de idade.

Talvez Fedele nem soubesse onde ficava Poções, mesmo assim decidiu. Pense você, vivendo em 1900, mandaria o seu filho morar na Itália? dez mil quilômetros de distância. Na época atual dos dedinhos na tela, dos zap-zaps, das comunicações gratuitas, do avião a jato, você não deixaria.

Vincenzo trouxe Corinto, e mandaram chamar Valentino, Luiz, Emilio, Camilo e Rosina. Depois, Corinto chamou Chico, meu pai, Giovanni, meu tio. Vieram as famílias Palladino, Labanca, Leto, Schettini e outras de Mormanno, Laino, Trecchina e regiões próximas, em função daquilo que contava os que estavam aqui. Descobriram a cidade. Até Jequié recebeu italianos em função desse “intercâmbio” criado por Francesco Sarno.

O comércio se desenvolveu, o crescimento chegou e os italianos de Poções proliferaram. A Rua da Itália representa esse marco. As famílias emprestaram os seus nomes a novas gerações e a cidade virou o que virou.

Então, se o velho Fedele não permitisse a vinda de Vincenzo, Poções teria outra cara. A fibra de Fedele representa a fibra de todos os outros que vieram e aqui se estabeleceram e cresceram.

Viva Fedele, viva Poções. Parabéns Fidelão, parabéns Centro Cultural!!!