"Se chorei ou se sorri, o importante é que em Poções eu vivi"

domingo, 21 de fevereiro de 2010

68, o Cabo Vando

Busco meus arquivos para lembrar de Vanderley Rocha Lima, Vando, mais um amigo que, prematuramente, se foi essa semana. Foi para a nossa Poções do Céu. A gente ainda se tratava pelos velhos apelidos do tempo do ginásio: hora era Colovox, hora Omoplata e, o mais comum, Tenaz.

Vando, Lourinho, Sandoval França, Remo e mais alguns amigos, formamos um grupo preparatório para fazer a “admissão”, que significava passar direto da quarta série primária (pulava a quinta série) para o primeiro ano de ginásio. O curso era no próprio CNEC e depois de tanto tempo juntos, restavam os apelidos de acordo com o conviver das pessoas. Colovox era invenção de Vando. Omoplata era para destacar que vivíamos sempre com um dos braços sobre o ombro do outro. Na época, a cola Tenaz estava sendo lançada com a frase “Cole com Tenaz e descole se for capaz” – a palavra foi aplicada para dar sentido à união do grupo.

Sandoval usou o Tenaz mais longamente e apelidou Zé Baterista de Zé Tenaz. Consolidou o apelido. Quer um exempo? Passe por Sandoval e fale: - Diga aí, Tenaz?

Meu último contato com Vando foi na Festa do Divino de 2008, no pavilhão que foi montado na tentativa de resgatar o passado. Era meio dia da quinta feira da Festa quando abrimos a primeira cerveja, bem na hora que o carpinteiro pregava umas velhas tábuas para montar o pequeno palco que serviria para a Filarmônica tocar.

Estava na companhia dele, de Gilberto Luz "Pancho" e Jorge de Duca. Uma conversa antológica. Pancho, impaciente, toda hora se ausentava para comprar cerveja Caracu no vizinho. Bendita hora que lembramos da excursão da quarta série, em 1971. Fomos parar no Bola Preta da Cinelândia, no Rio de Janeiro, recordando o baile e o desfile que nos foram oferecidos.

Não parou por aí. Era a vez de lembrar o placar do jogo Botafogo e Grêmio que assistimos no Maracanã em companhia de Dr. Irundy Dias – 2x2. Lembranças demais e Vando enchia os olhos de lágrimas em cada detalhe que era dito.

Não durou muito e o número 68 recebeu a visita do número 30. Quem não sabe, é assim que velhos companheiros do Tiro de Guerra de Poções são lembrados na sua turma. O 30 é Nildinho Barbeiro, que passou no pavilhão pra tomar uma “gelada” e contar as histórias do cabo Vando, o 68. A conversa foi parar na lembrança do velho Daniel Rosinha.

O Nego Vando, como era conhecido, prometeu aparecer todos os dias. Sumiu e não apareceu mais durante a Festa.

Não nos vimos mais.

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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

"Só mesmo em Poções" - Parte 2

Colocar tela colorida na televisão
Quem não se lembra daquelas telas plásticas, tricolores, que eram colocadas na frente da TV, parecendo que a imagem era colorida?

Chá dançante no mela cueca
Bastava uma radiola e a moçada já estava ligada no chá dançante que acontecia no mela cueca. Como se dançava ao som de uma radiola de pé, os discos iam caindo um sobre os outros – de sacanagem, colocaram o disco do hino Nacional Brasileiro e o povo dançou – chamaram a polícia e todos foram depor na delegacia.

Bola de mangabaNa feira, vendia-se uma bolinha feita de mangaba. Durava pouco tempo pois ela “despelava” e não resistia ao sol.

A polícia adverte: É proibido fumarEssa era a frase que estava em um dos avisos luminosos com letras vermelhas e ficava acesa durante as projeções do cine Santo Antônio. Tinha um outro aviso do outro lado da tela mas não me lembro os dizeres.

As cortinas vermelhas do cine Santo AntônioDuas cortinas vermelhas de tecido grosso separavam o salão do cinema com a sala de entrada. Tinha época que o cheiro das cortinas era insuportável.

Catar gabiraba e tomar banho na CachoeirinhaEsse era o maior passeio turístico em Poções. A gabiraba, uma pequena fruta, entrou em extinção.

Passear todas as tardes de C10
C10, uma caminhonete Chevrolet, e Carlinhos Rizério o piloto. Todas as tardes o passeio era certo: Pituba, Rua de Conquista, Rua de Morrinhos, Rua São José, Rua de Boa Nova, Lagoa Grande e campo de aviação.

Beijar o pé do senhor morto na sexta feira da paixãoDeus sabe quantas vezes eu beijei os pés do senhor morto. De tanto ser beijado, já tinha um buraco no dedão do pé.

Tomar cachaça ao lado da igrejinhaAo lado da igrejinha tinha um espaço vazio, coberto e era lá que a gente fazia ponto pra beber e tocar violão.

A igreja com os santos cobertosNa semana santa, os santos eram cobertos com panos roxo.

O beija péNa quinta-feira feira o padre reunia doze pessoas para a cerimônia do lava-pés.

Assistir jogo do AtléticoTodo domingo era certo assistir aos jogos do Atlético de Tonhe Luz, lá no campo da Rua de Morrinhos.

Ir na rezadeiraBastava qualquer a coisa não dar certo e a gente dizia que tava de “olhado”. Era passar a velha Marcolina que eu pedia para ser rezado. Coitada, abria a boca no final da reza e dizia que era “olhado” puro. Quando eu demorava de ir a Poções, mandava uma camisa usada para ser rezada e depois tinha que vestir sem lavar – passava o “olhado”.

Pescar garrafa na barraca de MitucaNa festa do Divino era sagrado passar na barraca de Mituca para pescar garrafa com argola no lugar do anzol.

Chupar picolé de Dão no bar de João LiguoriO bar de João Liguori foi uma das primeiras sorveterias. Tinha ali um picolé de côco cheio de pequenos pedaços da fruta ralada. Só que era feito na salmoura e Dão deixava contaminar com aquela água salgada.

Manteiga enlatadaMorrinhos tinha uma fábrica de manteiga enlatada mantida pelo Sr. João Vitória. Comum as pessoas comprarem as latas diretamente do produtor.

Bicicleta Hércules
Tive uma bicicleta Hércules, aro 18, fino, herdada de meus irmãos, que eu a chamava de “calanga”. Como era difícil achar câmaras de ar nessa bitola, colocava pedaços de mangueira de água e rodava tranquilamente pelas ruas.


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sábado, 6 de fevereiro de 2010

Passeio Cultural (2008)

Cheguei na quinta de manhã para a Festa do Divino. Fiquei um tempo na porta da loja de Michele esperando passar algum conhecido para uma prosa. Não passou ninguém. Dei uma volta e encontrei Seu Homero, com a pastinha de donativos para o Mastro e chegada das Bandeiras debaixo do braço. Ele foi logo me agradecendo pelo suporte de ferro que mandei fazer para dar praticidade à fixação do imponente símbolo religioso de Poções, o Mastro, lá na igrejinha.

Fui lá conferir o suporte pois não havia participado da festa no ano anterior. A porta estava aberta, entrei para rezar e refletir um pouco sobre a vida. Como era um lugar que freqüentava quando criança, a fita voltou no tempo e me lembrei de várias missas e “rezas”.

Dei conta de quantas vezes havia subido aquela escada de madeira, de acesso ao coro. Parecia ouvir o som do grande órgão que era tocado por Bil. Lembrava de Lourdinha Amaral cantando com aquele timbre agudo. O som ecoava na pequena igreja.

Como somente os bancos da frente possuem local para ajoelhar, fiquei sentado admirando a tela atrás do altar, representando a santíssima Trindade. Era o mesmo Deus que dona Fetinha dizia a quem prestaríamos conta. O Cristo está lá, sentado à direita do Pai por 103 anos. A tela foi pintada pelo italiano G. Lupi e doada à freguesia por Paulino Braga, em 1905, conforme as inscrições do rodapé. Permanece inteira, com alguns pequenos danos, protegida pela pomba do Divino Espírito Santo. É uma lembrança viva do meu passado, é uma cópia daquela que está no Vaticano.

No pequeno altar, à esquerda, a imagem de Santo Antônio de Pádua, doada em 1942 pelo italiano Afonso Liguori e família. No novo piso de mármore, resta apenas de original a lápide indicando que estão enterrados ali os restos mortais de Raimundo Pereira de Magalhães, fundador da nossa cidade.

Ao ver as imagens do Coração de Jesus e de São Roque, tive a lembrança das grandes procissões de fila dupla que ocorriam nos eventos religiosos. A imagem do Coração de Jesus era levada para a casa da minha tia Anina e a de São Roque para casa de tio Valentim, de onde saiam carregadas em andores ornamentados com lírios e copos de leite (flor).

Ainda estava ali a imagem do Senhor Morto, totalmente coberta, no mesmo lugar de onde ficava admirando na hora das “rezas”, quando as atividades religiosas ainda eram divididas entre a igrejinha e a nova igreja. Uma missa lá, outra cá.

No sábado, logo após o almoço, levei Fernando, Heloína Sarno, Edu Fagundes e Lála para fazerem o mesmo passeio que havia feito na quinta. Encontrei uma pessoa muito simpática abrindo as portas da igrejinha. Enquanto mostrava as imagens e contava as histórias aos visitantes, me apresentei e fiquei conhecendo a simpática irmã Teresinha, da irmandade Medianeiras da Paz.

Contei como foi montada a casa das Freiras (na esquina da Rua de Conquista), que todas as doações haviam sido guardadas em minha casa. Perguntei sobre as Irmãs Bernadete (a primeira administradora da casa), Antônia e Marilac.

Falou-me do trabalho social que ainda hoje é desenvolvido, principalmente aos idosos, levando a comunhão para eles. Coincidentemente, na quinta feira, enquanto descansava da viagem, fui acordado com uma das irmãs rezando e levando a comunhão para minha mãe.
Outro local de muitas lembranças e de lágrimas é a exposição de fotografias de José Onildo na Mostra Cultural, já implorada a criação de um museu na crônica “O Museu de Poções”. Naquele local, os rostos dos que visitam sempre têm lágrimas.

Nos meus olhos também, não só porque sou chorão, mas pelo que acho daquela exposição, cujo trecho da citada crônica repito aqui: “os nossos símbolos e a sensação de uma saudade sem retorno, de momentos únicos, eternizando-se tão perto da gente”.

Também acho justo parabenizar o pessoal do IECEM pelo trabalho de manutenção da nossa história, da nossa cultura e pela diversidade de assuntos exibidos no seu museu.


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