"Se chorei ou se sorri, o importante é que em Poções eu vivi"

quinta-feira, 1 de maio de 2014

O jegue que comia papel

O jegue, em Poções, sempre fez sucesso. Criar o animal, porém, nunca foi vantajoso porque não trazia retorno financeiro. Bruno Sangiovanni, meu sobrinho, quando morava aqui em Salvador, me passava a cotação: “tio, um jegue em Poções custa cinquenta centavos e ninguém quer comprar”. Explicava, portanto, a razão de tanto jegue perambulando na cidade.

Me lembro de passagens envolvendo jegues na cidade, numa época em que os animais andavam soltos e se alimentavam nos mangueiros ao longo do rio São José – nas gramas do chafariz defronte a casa de Dr. Alcides e no campinho das gramas, onde passa a tubulação de água quase defronte da casa onde morou Seo Abel Magalhães.

- Seu Liligo, Seu Liligo, me acode. O jegue “butuou”, o jegue “butuou”, repetia Véio de Zé Galo depois de tentar um encontro amoroso com o animal e esse  desembestar pela Av. Cônego Pithon. Passou pela frente da casa de Liligo e  recomendou ao “jegueiro”: - belisca o saco do bicho que ele solta. Belisca o saco…

Não vou explicar aqui o que significa “butuou” por duas razões: a primeira é não ter que entrar nos detalhes. A segunda, é que todo poçoense da minha geração tem a obrigação de saber (e como tem) o que significa o termo “butuar”. E quem não é da minha geração, pergunte a alguém mais velho.

Ainda sobre as paixões pelos jegues, tinha os da estrada da Cachoeirinha quando era a época da gabiraba. Bastava uma bicicleta com uma corda no bagageiro e a gente já sabia o resultado.

Mas, vamos voltar aos jegues mansos, os de sucesso. O jeguinho de Dezinho trabalhou muito. Saía de Morrinhos e trazia o leite para ser vendido na casa de Fernando Schettini (Bigode ou Fernando de Araci). E Dezinho não gostava de andar pela estrada dos Araçás, o antigo caminho para Morrinhos. O velhinho, de barbas brancas e tronco arriado, deixava os baldes cheios, pegava os vazios e os  deixava pendurados na cangalha enquanto fazia a venda do leite, litro a litro. O jeguinho, amarrado, esperava pacientemente até o meio dia, quando Dezinho estava pronto para voltar pra Morrinhos.
 
A turma do jegue na festa do Divino (foto: Ricardo Sangiovanni)
Mas, o valor de cinquenta centavos por um jegue subia de cotação na festa do Divino quando foi criada a Turma do Jegue.  Passava para R$ 1,00. Depois de exibido e montado na chegada das Bandeiras, o animal era solto e retornava para o seu lugar de origem. Até volante o jegue tinha e os enfeites lembravam os que desfilavam na lavagem da Bonfim, aqui em Salvador.

Como os animais andavam soltos, era comum que eles buscassem alguma coisa para comer. Certa vez, um daqueles pequenos redemoinhos que aconteciam em Poções, levou uma folha de jornal para a varanda da casa de Emílio Sarno (vizinho ao casarão dos Schettini). O jegue, paciente, subia a rua da Itália, foi direto na folha de jornal e comeu o papel naturalmente. Eu achei aquilo estranho e guardei na memória a cena.

Quando os meus filhos, Ricardo e Carla, eram pequenos, minha mulher Bete tinha o costume de contar histórias para que eles dormissem. Um dia, sendo a minha vez de colocá-los para dormir, contei a história do jegue que comia papel. Entre eles, essa história virou um “clássico” infantil. Toda vez que eu estava próximo e perguntava qual a história que queriam ouvir, eles não negavam a resposta e diziam:

 - Conta a história do jegue que comia papel.


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Um comentário:

  1. Lulu,
    Continue nos brindando com suas belas histórias.
    Libonati

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