"Se chorei ou se sorri, o importante é que em Poções eu vivi"

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Livro de Adilson Fagundes Santos é lançado em Poções

Texto de Fábio Agra
Fotos: Márcio Fagundes

Lançamento do livro em Poções
 Muitas pessoas da minha geração, dos 30 anos para baixo, não conhecem Adilson Santos nem sua obra. 

Não sabem que este artista, nascido em Poções, pequeno no tamanho, grande em pinturas surrealistas e flamengas, carrega em suas tintas, em seus estreitos ombros, o nome da cidade mundo afora. Nesta sexta-feira,17, Poções recebeu o mundo, fez-se parte do mundo pelas páginas dos dois livros que compõem a caixa de “O Exercício Livre da Memória”. Além dos livros, a caixa tem um documentário sobre Adilson Santos e traz também uma Poções de outrora, de um céu e luar estonteantes, da igrejinha, dos quintais livres para se brincar com o peão… As pinturas e desenhos de Adilson dizem muito sobre Poções, sobre seus fundos de quintais. Enquanto o pião de Adilson Santos gira, gira e gira, as memórias dos que adentravam o Cerimonial Garden, para participar do lançamento dos livros, são expostas e sentidas em cada passo dado em direção à pessoa que está à mesa autografando. O olhar de quem chega está compenetrado, hipnotizado em direção à mão que agora rabisca piões e nomes em um dos livros. Quando os olhares se encontram, o do artista e dos velhos amigos, os sorrisos temem em se guardar para que os lábios possam ficar livres e enfim pronunciar qualquer lembrança; os abraços parecem eternos. Adilson Santos tem diante de si o seu passado agora em carne e osso, e não somente em memórias, paletas, pincéis, telas e papeis.

O título dos livros faz jus ao final de tarde e restante da noite. A memória dos que compareceram ao lançamento esteve todo o tempo correndo naquele ambiente, como uma criança, entre uma Poções da década de 1950 e a presente. Incansável, ela puxava para as mesas os fundos de quintais, os tropeiros, as casuarinas, o Alexandre Porfírio, Corinto Sarno, a Praça da Liberdade…

Adilson e o amigo de infância João Batatinha
Quanta liberdade a memória tem neste dia para desfilar entre uma boca e outra, entre um ouvido e outro suas histórias. Enquanto Adilson Santos ia autografando os livros, Michele Sangiovanni narrava inúmeras delas. O ponto de partida para os relatos do filho de Amedeo Sangiovanni foi a chegada de mais um ilustre. Por toda minha vida ouvia em alguma esquina, em algum campo de futebol, em qualquer praça, o nome do maior jogador de futebol que Poções já teve. Então, Michele diz – João Batatinha! Olhei para traz sabendo que ia encontrar uma pessoa mítica. Esse senhor de cabelos grisalhos, estatura média, que adentrava o local sorrindo, era o grande ex-jogador João Batatinha.

Cresci ouvindo esse nome e, agora, eu estava ali bem diante do maior de todos. Sentou-se à mesa com uma simplicidade e simpatia colossal, após alguns minutos do reencontro com Adilson Santos. Com João Batatinha, Michele, Carlos Rizério e Rita, esposa de Michele, o passado de Poções veio à flora.

João Batatinha falava da Praça da Liberdade, que ele se recusa a chamá-la de Praça da Bandeira; lembrou do Obelisco e também das árvores que parecem pinheiros, as casuarinas. Michele, então, revela uma traquinagem de infância. Eles pegavam as pastas que cada estudante tinha e as colocavam em nos galhos das árvores. Puxavam até embaixo e depois soltavam. “As pastas voavam longe”. Para ele, foi inevitável não recordar os tempos de estudo no Alexandre Porfírio, a única escola da cidade e com uniforme cor de cáqui que alguns alunos compravam e às vezes o governo dava. “Eu sempre usava o do governo”, conta João Batatinha em meio à risada. “Enquanto vocês estudavam eu ficava jogando bola”, acrescenta. “Ele jogava bola de manhã, de tarde e de noite”, Michele puxa à memória aqueles dias na Praça da Liberdade. Adilson Santos mais tarde senta e diz que o time tinha um bom quarteto formado por Zoma, João Batatinha, ele e…
José Carlos Leto chega e Michele logo trata de dizer que é preciso resgatar algumas tradições italianas na cidade. Eu conhecia José Carlos Leto de nome, de sua ligação com o cinema, do grupo do Facebook Velhas Fotografias de Poções, que nos tem brindado com um acervo brilhante e foi criado por Lulu Sangiovanni. Tive então o prazer também de conhecê-lo pessoalmente durante o lançamento.

Entre tantos nome e mitos que iam se juntando a nós, Michele relembra de Corinto Sarno, que para ele foi um dos maiores homens que já viveu em Poções. Contribuiu para a chegada da energia elétrica, foi o primeiro a ter um aparelho de telefone, era um dos responsáveis pela construção da Igreja Matriz, entre tantos outros atributos. “Merece muito mais do que um nome de rua”, diz inconformado. Ouvi atentamente Michele falar também sobre os tropeiros que tinham suas longas capas e chegavam na sexta-feira para dormir na cidade e vender suas mercadorias no outro dia. Falou da tipografia que João Batatinha ainda mantém como uma herança de família, do seu pai Alcides.

O passado e suas memórias estão batendo à porta. Deixemos entrá-los e vamos expandi-los. Como disse Lulu Sangiovanni em recente publicação em seu blog, “Os lançamentos dos livros de Affonso Manta e Adilson Santos coroam a cultura poçõense”. Tive sorte de presenciar os dois lançamentos, a Antologia Affonso Manta, organizada por Ruy Espinheira Filho, lançada em Salvador em novembro de 2013, e agora “O exercício livre da memória”, de Adilson Santos.

Fábio Agra, autor deste texto, e Adilson Santos
De lá para cá, li os poemas de Affonso, apertei as mãos de Adilson Santos e quase me ajoelhei diante dos pés de João Batatinha, o maior jogador que Poções já ouviu falar. Para Michelle, só não foi melhor que Pelé. Nossos heróis, mitos e personagens estão aparecendo, estão se materializando, por ora em livros, memórias alheias e fotografias. Precisamos ainda de muito mais, esse é só o começo, é só o ponta pé inicial, mas agora com João Batatinha e Adilson Santos em campo.

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