"Se chorei ou se sorri, o importante é que em Poções eu vivi"

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Antologia Poética - Affonso Manta

O Poeta Affonso Manta
Confirmado o lançamento do livro Antologia Poética, trazendo as poesias do nosso poeta Affonso Manta. O livro foi organizado pelo também poeta e escritor Ruy Espinheira Filho. Acontecerá do dia 28 de novembro, após às 17 horas, na Academia de Letras da Bahia, Av. Joana Angélica, 198 – Palacete Góes Calmon, no bairro de Nazaré, aqui em Salvador.

O convite foi reforçado por Irundy Manta Alves Dias, o irmão do poeta, que me ligou de Poções muito entusiasmado, e pelo autor Ruy Espinheira Filho. 

Convite feito, aguardo a presença de vocês no evento.


Transcrevo o que escreveu sobre o livro o poeta Carlos Machado, no poeta.net:

Caros,

O que é um poeta? A rigor, não sei. A arte é sempre maior que as definições. Mas a falta de uma definição — ou de um manual de reconhecimento — não constitui nenhum empecilho quando estamos diante do trabalho de um verdadeiro poeta. E este é o caso do baiano Affonso Manta (1939-2003).

Travei o primeiro contato com a poesia de Manta no mesmo ano de sua morte. Na época, publiquei o boletim n. 48, dedicado a ele. Volto agora ao trabalho de Manta após a publicação de sua
Antologia Poética, organizada por Ruy Espinheira Filho (poesia.net n. 18 e n. 284).

A distribuição dos textos feita por Espinheira Filho na
Antologia ajuda a realçar o quanto de sensibilidade e invenção lírica existe no trabalho e na personalidade do poeta. “Lá vai, lá vai, lá vai Affonso Manta / Pela rua lilás”, escreve Manta. No mesmo poema, ele se autodefine como “o rei da extravagância, o sem maldade”.

Dono de todos os sonhos e investido de todas as forças líricas, no poema “O Cavalheiro sem Anéis”, ele também se retrata: “Eu sou a própria roupa do crepúsculo”. Neste decassílabo forte e desconcertante, a aliteração em “p”, combinada com os erres de “roupa” e dos encontros consonantais “cr” e “pr”, provoca uma sensação que só um poeta de ouvido refinado sabe extrair das palavras.


O verso estimula a imaginação. Que cor teria a roupa do crepúsculo? Talvez amarelo-sangue. Talvez púrpura com semitons de carmim, ou tudo isso mesclado. No estrato dos sons e (sugestão de) movimentos, a aliteração me leva a imaginar o poeta vestido com a capa — ou manta? — do entardecer drapejada pelo vento. Mas o texto, afinal, não autoriza a disjunção entre poeta e roupa: as duas entidades líricas são uma coisa só.

Além disso, a proparoxítona “crepúsculo” estabelece um fechamento brusco, mais agitado, como se uma lufada de vento mais forte sacudisse a roupa. É por isso que faz todo o sentido a afirmação no início do poema: “Quando me visto de pôr-do-sol / Os anjos ficam loucos”. Não é todo dia, nem todo ano, nem todo quinquênio que aparecem versos assim (pelo menos para este leitor, amador-profissional, do
poesia.net).

“Eu sou a própria roupa do crepúsculo”. Beleza e angústia. Beleza angustiada.

“Nasceram-me gaivotas nos sentidos”. “Pouca coisa sei da vida. / O bastante para não correr”. “Crie canários verdes na varanda / Onde os meninos brincam de ciranda”.

Creio que os versos de Affonso Manta falam por si mesmos. Mas é impossível não destacar a musicalidade e a esperança triste contidas na canção “Quando Esta Noite Passar”. Até nos rabiscos, simples anotações, o poeta revela sua potência lírica e, mais que isso, sua profunda consciência sobre as possibilidades e limites do fazer poético. “Há que deixar em paz o poema. / Ou o poema nos afeta. / O poema há de ser perfeito. / Ou ele come o poeta”. Brilhante.

É por momentos de tal iridescência, para usar um termo mantiano, que o poeta Ruy Espinheira Filho diz no prefácio da
Antologia que Affonso Manta foi um “conhecedor como poucos da arte do verso”. E diz mais: “Ele foi essencialmente poeta, como raros o são. João Guimarães Rosa dizia que as pessoas não morrem: ficam encantadas. Affonso Manta não esperou morrer para se encantar: foi um encantado a vida inteira”.

•o•
Affonso Manta nasceu em Salvador (BA), em 1939. Ainda bebê, mudou-se com a família para Poções, onde o pai, médico, iria trabalhar. Aos doze anos, volta para Salvador. Lá, terminou o curso clássico no Colégio Estadual da Bahia. Depois, entrou em Ciências Sociais na UFBA, mas não concluiu o curso. Professor, jornalista, funcionário público, Manta gostava mesmo era da boemia. Como diz o poeta Ruy Espinheira Filho, era um "boêmio impeninente". Viveu alguns anos no Rio de Janeiro, como inspetor dos Correios e Telégrafos. Morreu em Poções, em 2003.

•o•

Apenas um ponto a lamentar. Parte da coleção Mestres da Literatura Baiana, a
Antologia Poética de Affonso Manta foi publicada pela Academia de Letras da Bahia com o patrocínio da Assembleia Legislativa do Estado. Como publicação oficial, fora de comércio, não vai chegar às livrarias. Chegará a bibliotecas e a uns poucos felizardos, entre os quais me incluo. Uma pena.

Poetas como Affonso Manta, assim como vários outros poetas-poetas destes Brasis, precisam ser retirados da virtual clandestinidade em que se encontram e divulgados para todo o país. Afinal, eles representam uma parte do que há de mais refinado no espírito brasileiro.

Um abraço, e até mais ler,
Carlos Machado


3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. É não somente uma pena que não chegue às livrarias - é deveras absurdo - como também é uma pena que seja uma antologia e não toda poesia que a nós possa ter chegado da parte deste grande poeta. Não se deveriam arvorar-se ao julgamento do que se supõe estar "à altura do poeta", muito menos o que passa pelo apreciações pessoais dos editores. Mas é uma grande evento este lançamento, que traz à luz um brilhante nome da poesia, quase caído inteiramente no esquecimento. Apesar do esquecimento ter algo de tão belo, beleza esta que bem poderia compor a primorosa paleta poética de Affonso Manta.

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  3. Conhecei poemas desse formidável poeta através do Sr. Altamirando Camacam, a quem o poeta dedicou o poema O louco. Fiquei impressionado com a intensidade de sua poesia. Que bom este lançamento, muito importante.

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