"Se chorei ou se sorri, o importante é que em Poções eu vivi"

terça-feira, 17 de novembro de 2009

O Chamuscão


Vinicius Dantas me escreveu falando do Chamuscão e pergunta se lembro de histórias daquele local. Tanto ele como eu, vivemos ali, momentos inesquecíveis. Nossa diferença de idade deve ser de aproximados 30 anos e significa que o Chamuscão reinou e fez história na vida de muita gente.
Defronte ao posto de Miguel Labanca, onde hoje é o prédio comercial que abriga a Ótica Poções e a Farmácia de Amorim, ficava o Bar de Duca, a Visgueira. Ao lado, havia uma ponta de terreno e Jorge Dantas resolveu fazer a Churrascaria Chamuscão. Foi construída no ano de 1970.

Fazer churrasco não era a praia de Jorge. Também não era a praia do morador de Poções sair para almoçar ou jantar. Não demorou muito e virou um bar, graças a Deus. O lugar passou a ser o nosso reduto, uma espécie de quartel general da noite (dia) da cidade.

De construção simples, paredes de bambu natural, piso cimentado de xadrez vermelho, mesas e bancos feitos de pedaços de troncos de eucalipto. Tinha sanitários decentes. O sistema de som era controlado de dentro do bar, onde Jorge administrava os dois negócios de uma só vez, através de uma estratégica porta que permitia a ligação entre os ambientes.

A primeira formação de garçons que me lembro foi Tonhá e Obed França. Eram dedicados e atentos a todas as mesas, com liberdade para opinar nas conversas. Jorge os ajudava e era mestre em servir cerveja: se havia duas pessoas ele trazia copos altos e esvaziava a garrafa de uma vez. Se fossem cinco pessoas, trazia copos menores e enchia todos também de uma só vez.

Sábado à noite, pelo menos, havia uma atração e o Chamuscão virava boate, com luz negra, entrada paga e mesas reservadas antecipadamente. Bastava baixar as janelas e se transformava no “ambiente fatal”. Num destes sábados, Ricardo Benedicts lançou o primeiro dos seus discos. O Chamuscão ficou mais famoso ainda. Sempre freqüentado e apoiado pelos principais artistas, poetas e visitantes da cidade. Sem dúvida, pelos melhores bêbados, também. Aliás, eu sempre achei que os nossos bêbados sempre fizeram sucesso porque eles eram bêbados conhecidos e não alcoólatras anônimos.

Marcávamos nossos encontros naquele espaço. Lá, curávamos a ressaca do dia anterior. Lembro do carnaval que Tonhe Banana (Antônio Fagundes Filho) passou em Poções. Fizemos um bloco de pouco mais de 10 pessoas e transformamos o Opala vermelho, de teto preto, em um trio elétrico. Praticamente alugamos o Chamuscão naqueles dias de festas.

Mas, temos que entender que o Chamuscão não representou apenas um bar famoso da nossa cidade. Posicionou-se como um referencial por permitir abertamente a freqüência masculina e feminina (tão liberal que a última mesa da direita era sempre ocupada por Daniel Rosinha, o primeiro travesti oficial e declarado de Poções).

Nossa juventude amadureceu mais cedo, rompeu o tabu de anos, onde beber em bar só era permitido para homens e em espaços chamados de “reservado”. A possibilidade de dar continuidade aos papos nascidos no jardim da praça era ali, no Chamuscão. Podíamos freqüentar até altas horas, sem qualquer preconceito ou julgamento devido à seriedade e respeito sempre impostos pelos Silva Dantas. Além do mais, podíamos, ainda, beber e deixar a conta pendurada e pagar por semana.

Valeu Jorge. Valeu Vinicius pela lembrança. Cabe a nós, saudosistas, confeccionarmos uma placa e afixar na parede do atual prédio:

“Aqui, durante anos, enquanto Chamuscão, viveu e cresceu a juventude poçõense”.


Solicitei a Jorge algumas fotos do Chamuscão e recebo o email com um pequeno texto, o qual transcrevo. Interessante o relato dele, pois nos faz lembrar um pouco mais da história daquele lugar único.


"Lulu,
Naquela época, só Vitinho Borba e o Giovanni que tinham máquina fotográfica e quase ninguém tinha hábito em fotografar, então as fotos que tenho do Chamuscão são pouquíssimas. Estou te mandando algumas que consegui com Bruno Sola fotografando da casa de sua mãe, com o Sr. Luiz Sarno passando em frente da Visgueira (bar de Duca) com aquele passo de "EMA", outras com Rosinha de Alvaro Benígno e Catão. Essa foto que estou em frente onde foi construido o Chamuscão, foi o primeiro carnaval que fizemos com a ajuda de todos vocês que estudavam em Salvador, inclusive na escolha do nome "Sukata no Patropi" e com toda sua decoração sob o comando do nosso grande Pepone. E foi daí que surgiu a idéia de construir um espaço para os outros carnavais, com todo o sucesso que teve o inesquecível "CHAMUSCÃO". Eu sempre comparo o Chamuscão com os Beatles: Os Beatles" revolucionaram a juventude do mundo!!! como o Chamuscão fez a mesma coisa com a juventude de Poções..... naquela época é claro!!!.
Um forte abraço,
Na escuta,
Jorjão"
Em tempo:tem uma passagem sobre o Padre Honorato que quero contar a todos:
A partir da hora que o Chamuscão começou a fazer muito sucesso, foi criando uma certa antipatia naquelas pessoas conservadoras e que tinham "filhas." Aí, gerou muita polêmica a respeito dos frequentadores etc,etc... O Padre Honorato, por sua vez, entrou na guerra para difamar o Chamuscão. Atacava ao vivo e a cores naquele serviço de auto-falantes altamente "picante", aí descia a ripa em plena missa de todos os domingos: "O Chamuscâooooo é um ambiente de prevaricaçãoooo da juventude de Poçõesssssss". Como minha mãe frequentava a missa dos domingos, pedi para conversar com padre, para ele deixar de falar aquelas asneiras. Piorou, aí que ele sentou a ripa sem pena e piedade mais ainda. Usei uma estratégia e subornei o Padre, peguei uma garrafa de vinho surpresa, aquele velho espumante, coloquei num papel de presente e mandei o Tonhá levar o TORPEDO para Noratim, ainda bem que ele não devolveu.....Na próxima missa ele ripou mais leve, ganhei o padre......não dei por menos, aí investi tudo no vinho, mandei Tonhá levar um garrafão de "SANGUE DE BOI". Para alegria de todos, na próxima missa dominical o padre falou:"O CHAMUSCÃOOOOO É O AMBIENTE DE LAZER DA JUVENTUDE DE POÇÕESSSSSS" ganhei o padre......valeu o vinho!!!!!.
Um forte abraço, Jorjão.

2 comentários:

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  2. Tenho imensa gratidão de ter nascido nesta cidade, alias nascer já é uma dádiva do nosso criador.
    Fazer parte da familia Borges & Dantas , maior ainda.
    Apesar das atribulações diarias em Salvador,SP,GO,DF, etc... , sempre que posso fujo para ao menos passar dois dias nesta querida cidade.
    Obrigado Lulu pelo texto, obrigado Pai por fazer parte de minha historia...

    Abraços,

    Vinicius Borges Dantas

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