"Se chorei ou se sorri, o importante é que em Poções eu vivi"

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Homenagem a Affonso Manta

Por RUY ESPINHEIRA FILHO

A vereadora Zezel Leite, de Poções, confirmou-me a notícia: a antiga escola estadual Luiz Viana Filho foi municipalizada e hoje se chama Affonso Manta Alves Dias – nome completo do poeta Affonso Manta. Nada mais justo, já que ele, embora tenha nascido em Salvador e passado a infância em Iguaí (então distrito de Poções), foi naquela cidade que morou quase toda a vida – com exceção do tempo em Iguaí, dos anos de estudo em Salvador e dos que viveu no Rio de Janeiro, como inspetor dos Correios e Telégrafos. Aposentado por motivos de saúde, retornou a Poções e lá permaneceu de 1975 até sua morte, em 2003.

A poesia de Affonso Manta é marcada de profundo lirismo, oscilando (como dividi a antologia que dele organizei e foi lançada no ano passado) entre a poética confessional, a amorosa, a de temática variada e a de cunho religioso ou místico. Minha amizade com o poeta começou na juventude: eu com treze ou catorze anos, ele com dezesseis ou dezessete. Todas as tardes nos sentávamos no coreto do jardim de Poções, ao lado da velha Matriz, perto da qual ele viveu grande parte da vida, e conversávamos até depois do crepúsculo. Ou, mais exatamente, ele falava e eu escutava — maravilhado com aquele rapaz que já tinha lido tanto e se referia desenvoltamente a ficcionistas, filósofos, sobretudo a poetas e poesia.

Nossos contatos se intensificaram a partir de 1961, quando vim estudar em Salvador, onde ele já se encontrava. Poeta respeitado, boêmio impenitente, foi quem me apresentou a pessoas brilhantes da literatura e das artes — como Carlos Anísio Melhor, Fred Souza Castro, Jehová de Carvalho e Ângelo Roberto, entre outros. De personalidade muito complexa, foi ele um solitário e um boêmio. Seu lirismo é pungente, às vezes delirante, muitas vezes sábio e compassivo. A sua poética é densa de magia, como se lê em “Lá vai Affonso Manta”, que assim começa: “Com estrelas na testa de rapaz./Com uma sede enorme na garganta,/Lá vai, lá vai, lá vai Affonso Manta/Pela rua lilás.” A pungência do confessional pode ser exemplificada pela primeira estrofe de “O realejo de vinho”: “Para quem me queira ouvir: /Sou um homem aos frangalhos. /Parte por culpa de tudo. /Parte por culpa de nada.” De seu lirismo de sabedoria, colhemos o final de “Criação”: “Crie esses bois de chifres de açucenas/Que pairam nos céus das manhãs serenas.(...)/Crie raiz no amor de uma mulher/E espere calmamente o que vier.”

Affonso foi poeta pouco conhecido. Mas reservei alguns exemplares da sua antologia para enviar a escritores, críticos e leitores especiais pelo país afora, despertando manifestações de admiração e de espanto pela descoberta de um autor tão importante e de quem nunca tinham ouvido falar.

O nome do poeta numa escola honra o poeta – e principalmente honra a cidade em que ele viveu e que sempre amou. Nomes de políticos e apaniguados são dados a tudo, sem falar nos abominavelmente vergonhosos. Todas as cidades estão densamente poluídas por tais excrescências e ninguém parece se incomodar com tamanho horror.

Portanto, é algo que lava a alma ver o nome de um poeta ser lembrado. De parabéns Affonso Manta, Poções - e a poesia brasileira.

(Publicado no jornal A TARDE, 24/07/2014)

Um comentário:

  1. Parabenizo aos Vereadores de Poções por terem essa feliz iniciativa de homenagear o ilustre “poçoense por direito” Affonso Manta, dando o seu nome ao Instituto Municipal de Educação.
    Por um período curto, ele foi meu professor no Ginásio Estadual de Poções.
    A sua família, no início da década de 60, foi praticamente nosso vizinho e apesar da diferença de idade entre mim e ele, era clara e diferenciada a sua pujança nos conteúdos filosóficos e intimista da alma.

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