"Se chorei ou se sorri, o importante é que em Poções eu vivi"

terça-feira, 10 de maio de 2011

Os Pássaros - The Birds

Por Carlos Rizério Filho









A minha mãe, Célia Rizério


Início de primavera em Poções. As andorinhas trissavam no azul escuro do céu de setembro. Com zelo e carinho, a mãe preparou os cinco filhos e os levou, pelas mãos, à tão esperada matinê de domingo no Cine Santo Antônio. D Célia havia olhado o título, e concluíra que seria um bom filme de aventuras, ideal para embarcar suas crianças em mais uma tarde cinemágica. Ao começar a fita, um ar de preocupação começa a rondar a mãe, o que ainda não era sentido pelas crianças, não iniciadas, nem tão vulneráveis como os adultos, ao clima provocado pelo mestre do suspense, Alfred Hitchcock. Personagens surgem e se encontram em Bodega Bay, pequena cidade do litoral da Califórnia, lugar onde se desenrola a trama. À medida que o filme avança, um silêncio se apossa do cinema. A mãe pensa em sair, mas observa todo o envolvimento dos filhos e dos outros jovens com a história. Resolve ficar e mergulha, como todos ali, na magia da sétima arte. As cenas se sucedem num ritmo cadenciado, o lugar é misterioso, quase surreal. Sem motivo aparente, as aves começam a atacar a cidade em bandos cada vez mais numerosos, e depois recuam, e surgem novamente, ameaçadoras, determinadas a abater todos os que ali se encontram. Provocam pânico geral, dúvidas, fogo num posto de gasolina, atacam crianças numa escola, matam uma professora, um fazendeiro e finalmente, o clímax. Uma casa de madeira a beira mar, onde um grupo de pessoas, aterrorizadas, esperam o ataque final das aves, que avançam aos milhares, fazendo um barulho infernal, com bicos afiados como lâminas, a baterem nas paredes, telhados, portas e janelas. Na madrugada, uma trégua, silêncio. Rod Taylor, que faz o protagonista, abre a porta, bem devagar, e se depara com uma cena macabra: as primeiras e dramáticas luzes da alvorada revelam milhares de gaivotas e corvos, pousados em volta da casa, a ocuparem todos os espaços. Sai, em pequenos passos, cuidadosamente, até a garagem. Entra no carro, liga o rádio, ouve as notícias, volta e encoraja a todos a saírem e entrarem no veículo. Liga o automóvel e sai, em movimento reduzido, por entre milhões de aves, para então, tomar a estrada litorânea e sumir, deixando para trás a cidade entregue aos pássaros. Fim. A maioria sai do cinema em silêncio. D Célia e os filhos, Carlinhos, Gina, Teca, Tinho e Nando, descem o Beco dos Artistas, atravessam a Praça Deocleciano Teixeira, passam pelo posto de gasolina de Miguel Labanca, percebem que não há ninguém, e seguem em direção à praça Góes Calmon. Ao chegarem à praça, onde moravam, tomam a direção da residência. A cidade estava calma, metafísica, era uma tarde diferente. Entram em casa, incólumes. Lá fora, pardais volteiam e pousam nos fios de tensão.

09/05/2011 (dia das mães)

Carlos Rizério, Filho e sobrevivente

2 comentários:

  1. Adorei o texto!
    Não conhecia esse lado de Carlinhos. Bem-vindo!(risos)
    Fico triste por saber que Poções já foi palco de tantas emoções e poesia e hoje o máximo que os jovens têm como diversão é ficar rodando na praça e frequentar bares. Com raríssimas exceções, lembrando do Tela em Transe e de algumas atividades promovidas por gurpos de resistência à cultura enladata.
    Parabéns, Carlinhos. Tomara que este seja o primeiro de muitos.
    Abraço.

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  2. Parabéns Carlos !!! Belíssimo texto, essa sua qualidade eu desconhecia !!! Saudades das nossas prosas e causos. Grande abraço !
    Paulo Sérgio M. Luz(Iguaí/Salvador)

    P.S Sangiovanni, vou ficar leitor do seu blog. Abraço.

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