"Se chorei ou se sorri, o importante é que em Poções eu vivi"

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Antônio Fagundes - 60 anos de tuba




Por Antonio Leandro Fagundes Sarno (*)
Em maio de 1993, durante a chegada das bandeiras, nos festejos do Divino Espírito Santo, às 9:00hs da manhã, minha mãe, preocupada, me disse:
- Vá ficar com o seu avô, pois ele desceu “pras” barracas e não vai acertar voltar sozinho pra casa. Só saia do lado dele quando ele chegar em casa.
Disse isso motivada pela idade avançada de Vovô Tonhe (Antonio da Silva Fagundes), o que também me deixou apreensivo. Todos nós já sabíamos que, neste exato dia, ele gostava de encontrar os amigos pra beber. Fui até a Praça do Divino e o encontrei em uma barraca que ficava de frente da Igrejinha, logo na esquina, no fundo do pavilhão. 

Sentados com ele estavam Pia Soldado, tio Quito, tio Zelinho e outros bons amigos de farra. Peguei uma cadeira e sentei ao lado de Vovô Tonhe, para ouvir as conversas e as suas histórias, não menos interessantes que as de Tio Zelinho e Tio Quito. Entre as cadeiras vermelhas de ferro, com o logotipo da Brahma no encosto, o cheiro das palhas da barraca misturado ao cheiro da cerveja, do quentão que era vendido em frente à igrejinha do divino e do cigarro de Tio Zelinho, tive uma sensação boa de estar entre os mais velhos da família, de paz e pertencimento.

Na barraca, uma panela de pressão apitando e um som gradiente cinza tocando Chiclete com Banana, o que para os que estavam à mesa, não significava nada. Vovô Tonhe nem sequer ouvia o que estava tocando naquele som, devido à sua surdez. Ele estava mais interessado mesmo na conversa à mesa. De repente, Tio Quito ficou cantarolando os velhos dobrados enquanto batia com os dedos no logotipo da Brahma, na mesa de ferro vermelha. Engraçado era ver que Vovô Tonhe ouvia o cantarolar dos dobrados por Tio Quito, mas não ouvia o som da barraca. Ele sabia exatamente os nomes dos dobrados e os seus compositores, o que me deixava muito orgulhoso. 


Foi naquela mesa que ouvi pela primeira vez o nome de Heráclio Paraguassu Guerreiro, da cidade de Maragogipe, na Bahia. Vovô Tonhe falava dele com empolgação, dizendo que este compositor escreveu mais de 600 músicas e começou a estudar caixa com 12 anos na Filarmônica de Maragogipe. Tio Zelinho falando das Jazz Bands e de Gleen Miller. Eu, calado, ouvia aquilo tudo procurando compreender o que estavam falando, feliz por estar participando daquela mesa entre aqueles que fizeram parte de uma Filarmônica e que sabiam ler partitura.

Em meio ao bate papo, vovô Tonhe reclamou que a cerveja em outra barraca estava quente. Nesse momento, Tio Zelinho acendeu um cigarro e riu, confirmando aquela informação. De repente, Vovô Tonhe volta a atenção pra mim e pergunta:
- Quantas vezes você já tocou na Festa do Divino?
- Esse ano toco pela primeira vez com a Banda Centaurus, Vô! Respondi.
- Sabe quantas vezes eu já toquei? Perguntou ele.
- Não, respondi curioso em saber o que ele iria dizer.
- Só tocando contrabaixo (Tuba Souzafone) foram 60 anos!
Aquilo chamou a minha atenção, despertando um interesse nunca sentido antes. Sem hesitação, perguntei:
- Quantos instrumentos o senhor tocou na Filarmônica?
- Comecei tocando caixa aos 13 anos, passei para a trompa (saxhorn) e depois mudei para o contrabaixo (tuba souzafone). Respondeu ele.
Quando ele disse isso, entendi a empolgação dele ao falar sobre Heráclio Paraguassu Guerreiro. Ambos começaram estudando caixa em uma Filarmônica com praticamente a mesma idade. Acredito que Vovô Tonhe gostava tanto deste compositor que deu um nome parecido a um de seus filhos, Heráclito Fagundes, o nosso Tio Quito.

Após várias e várias conversas com os amigos, ele resolveu voltar pra casa. Eu o acompanhei orgulhoso pelos seus 60 anos de tuba. Mal sabia eu que, anos depois, estaria dando aulas de música em uma filarmônica, que foi fundada como o resgate de um pedaço da história de Poções. E mal sabia ele que eu, encantado com as histórias narradas naquela mesa, senti uma imensa vontade de viver aquilo tudo com todos eles, nem que fosse por um instante.


(*) Antonio Leandro Fagundes Sarno é maestro da Filarmônica de Poções

2 comentários:

  1. Vovô Tonho. Quanta saudade. Aprendi música com tio nadinho. Na minha infância em Poções toquei requinta nesta filarmonica

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  2. Lembro bem das conversas musicais na porta da casa de vovô Cide entre tio Tonhe, tio Nadinho, tio Pedro França, vovô e os "garotos" Arnaldo e Bete. Sempre acompanhada de solfejos maravilhosos eram uma verdadeira aula de música. Muita saudade desses tempos.

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