Por Renato Schettini
Cresci numa cidadezinha do interior do estado da Bahia, aonde vi a lua mais bonita no céu, as estrelas mais vivas e brilhantes, e divaguei nos meus sonhos de menino e de adolescente. Atento e curioso, me encantavam o fervor da fé e a devoção do povo simples no Divino Espírito Santo; a beleza da renda de bilro que minha avó Anita, lavadeira de mão cheia, fazia com tanta habilidade; as mulinhas dos ternos de reis, principalmente o de Seu Febrônio, o mais famoso da cidade.
Cresci. Transformando-me do menino que roubava as mulas que transportavam lenha para queimar no fogão da minha casa, para um passeio rápido cheio de aventuras; que brincava de guerra espacial com parafusos enferrujados e máquinas de moer carne que estavam empilhadas em algum lugar no fundo do quintal; que achava gelo uma invenção maravilhosa e o sorvia secretamente escondido nos pés de gabiroba do quintal da casa aonde cresci, em um adolescente descobrindo o mundo.
Tudo foi rápido e veio aos borbotões. Chegaram-me aos meus ouvidos João Gilberto, os Beatles, Gal, Caetano, Gil, Bethânia. Li Lobsang Rampa e sonhei em ir embora para o Tibet e ser budista. Clarice Lispector me encantava com a sua poética estranha, Carlos Drumond de Andrade, Agatha Christie... O tempo foi selecionando meu gosto, o mundo me ofertando uma gama de novas possibilidades, de sons.
O despertar político me juntou a um bando de gente boa, que ajudou a tecer em mim sonhos de um mundo mais justo, mais humano, menos dividido... O menino que foi anjo de procissão do interior estava se transformando em um rapaz e descobriu o álcool, o cigarro, o sexo, o prazer e o mundo e sua intricada política... Chegaram às minhas mãos Elis Regina, Billie Holiday, Nat King Cole, Connie Francis. O Clube da Esquina, Beto Guedes, Lô Borges, Elomar, Xangai. Sempre gostei de misturar tudo e tanto lia Gorki, Stendhal ou José Lins do Rêgo. Me fez sonhar a Lagoa Azul, Superman, via filmes que inspiraram o Tigre e o Dragão com a fome de um chinês voador, Mazzaropi, Ghandi, Luz Del Fuego... Eu era uma máquina aberta para o mundo.
Salvador me fez ficar mais refinado, mais crítico, mais seletivo. Cursei História na UFBA e descobri um Universo de possibilidades. Amei conhecer Chet Baker, me aprofundar no jazz o estilo musical que mais escuto hoje em dia. Vivi na Residência Universitária e apurei meu senso de mundo, de irmandade, de preservação também. Amei conhecer Hilda Hilst, Verger, Hobsbawm e tanta coisa nova. Eu voei e ganhei o mundo...
Determinadas horas acho que o mundo esta mais louco que parece. Ainda sonho com uma sociedade mais justa, mais humana, com pessoas menos sacanas, com feijão na mesa de todos. Amei ver o PT subir ao poder, mas me decepcionei na mesma medida. Descobri o universo religioso aonde sou mais gente que nunca e fico feliz de ver que a minha religião me aproxima cada vez mais do povo e que aquele garoto que nasceu e se criou em Poções ainda corre e brinca em mim, ainda quer um país mais fraterno, menos consumista, com mais oportunidades para todos e que mais espertamente sonha com os sonhos de menino.
Por isso escuto com alegria a ponte entre Caetano e Emicida e percebo que as linguagens, as relações e os refluxos das marés sempre trazem algo de bom.
Salve Caetano, esse cara que me faz pensar em envelhecer com mais qualidade...
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Os filhos de Dona Elza são todos talentosos e gente boa.
ResponderExcluirAdorei o texto.
Zezel.
Nunca fui em Poções, mas visito essa cidade todas as vezes que leio o blog. Um dia ainda visito Poções e vou ver de perto aquilo que minha mente imagina aqui! Uma coisa eu já sei, será uma viagem agradável.
ResponderExcluirLegal!!!
ResponderExcluirParabéns!! Texto muito bem escrito e que faz com que nos identifiquemos com o que ali foi dito...
ResponderExcluirRenatinho, você realmente arrasou com sua história, muito legal...
ResponderExcluirParabéns!!!
Galera, obrigado pelas palavras elogiosas e pelo carinho, aconteceu algo que volta e meia vem, um gatilho que dispara a nossa sensibilidade. Poções e suas impressões estão e estarão sempre em mim e é um prazer compartilhar com vocês aqui neste canal. Parabéns a Luiz Sangiovanni pela iniciativa de construção do blog e estarei aqui sempre que pintar a inspiração.
ResponderExcluirOi, primo! Que texto belo! Me fez voltar na infância e recordar parte destes lugares e alguns momentos que compartilhei da tua companhia em Poções. A casa dos nossos avós, a brincadeira na rua, no colégio em frente à tua casa e visitando Bil, o sapateiro e zelador da escola... Tens uma forma peculiar, inteligente e agradável de escrever! Parabéns! Apareça para nos visitar. Esmeraldo Sobrinho
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