"Se chorei ou se sorri, o importante é que em Poções eu vivi"

terça-feira, 12 de outubro de 2010

O frio, a feira, a fussura e a física

Duas coisas me faziam gelar a alma em Poções: Fazer feira aos sábados e fazer educação física. Ninguém merecia esses dois castigos. Um na praça da feira e outro na praça da Festa.

Cinco e meia da manhã acordava para as duas tarefas. Fazer feira era menos penoso porque ficava agasalhado. Mas a educação física era de rachar.

Na feira, empurrava a carroça e deixava estacionada junto de alguma barraca menos fria. Pegava um cesto e seguia os passos de minha mãe, com aquela mania de fazer feira no raiar do dia. Acho que mais cedo que nós, só Abel Magalhães.

Em cada barraca uma pechincha, em cada freguesa para pegar o melhor produto. Cesta cheia, voltava para descarregar na carroça. O braço ficava marcado com as cordas que revestiam a alça. Esse era o ritual. Mas, havia as suas recompensas. Tinha direito a chupar as tangerinas e laranjas (descascadas no descascador do carrinho de Pulú), comprar as tripas de porco para fritar e, ainda por cima, variar os sábados com as viúvas (meninico de carneiro) – era uma novela minha mãe escolhendo – cheirava, reclamava porque não eram tão limpas como queria. Enquanto isso, eu ficava encarando os olhos do carneiro, pendurado com a fussura e a cabeça descascada, presa pela traquéia que parecia uma mangueira de aspirador de pó. Antes de ir embora, era a vez de comprar um cacho de bananas, que eu amarrava entre os dois braços da carroça.

Terminada a feira, seguíamos para casa para arrumar as compras. O cheiro das viúvas sendo cozidas enfestava a casa. Só o cheiro afastava metade do povo e sobrava mais para mim. Sábado era dia de comer viúva com minestra de folha de abóbora.

Mas, voltando a educação física, o outro “iceberg” de Poções, o Sargento Severino não tinha pena, nos colocava perfilados e chamava o nome de cada um para só depois deixar a gente fazer os aquecimentos para amenizar o frio. Já chegava vestido com uma “japona” por cima daquelas camisetas regatas de malha branca, short branco com duas listas azuis na lateral e calçado com os “galupins” brancos, limpos com alvaiade dissolvido em água, para rolar o baba na praça da Festa e ai a situação já melhorava, o corpo aquecia e a gente se acostumava. Ficar de “japona” nem pensar. Era uma hora de racha no frio de rachar – os de camisetas contra os sem camisetas.

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