"Se chorei ou se sorri, o importante é que em Poções eu vivi"

domingo, 20 de janeiro de 2013

Segurando o "mandu" - Os 100 anos de Chico

Chico Sangiovanni
Poções teve uma época áurea do comércio. Bastava ver o movimento dentro das lojas aos sábados. Os vendedores faziam rodízio para o almoço. Precisavam de reforço de gente.

Na loja de tecidos, eu era um desses reforços e ajudava a vender. Aprendi a conhecer a diferença entre bramante, chita, tricoline e os diversos tecidos. Camisa de “banlon” ainda era um experimento - o freguês ficava meio assustado com as cores, diferentes do uso nas estampas dos tecidos mais usuais. Vivíamos na era da camisa “Volta ao mundo”que eu achava meio fresca, literalmente, nos dois sentidos.
No final da tarde de sábado, os balcões estavam abarrotados de peças de tecidos, espalhadas e tudo por arrumar. Cartelas e mais cartelas vazias de enrolar tecidos eram guardadas para reposição do estoque durante a semana.

Era a época do "mandu". Pois é -"mandu'. A palavra mandu num velho dicionário Aurélio de 1986, que eu uso sempre, diz que é um tipo que sai no carnaval. Ninguém escreve que "mandu" tinha um significado mais parecido com "mandu' mesmo – "mandu' no sentido de “uma bronca”, “um problema”. Também não dizem que "mandu" é dinheiro velho, gasto ou rasgado e, até mesmo, sem valor.
Mas, o "mandu" que quero falar aqui é o dinheiro. Nesse movimento da loja, todo mundo jogava o recebido da venda em uma gaveta e passava o troco. O dinheiro velho era transferido para o cofre e depois para ser consertado nos dias seguintes. Hoje, lógico, você vai ao banco e troca o "mandu" velho por um "mandu" novo. Antigamente, pegávamos uma folha de papel de enrolar manteiga e colava as notas rasgadas sobre ele. Depois, o papel era recortado no tamanho da nota e o "mandu" tava pronto para ser trocado na Coletoria por dinheiro novo.

Depois dessa época áurea, o comércio de Poções começou a entrar em decadência. O advento das kombis para Vitória da Conquista levou todo mundo para gastar o seu "mandu" por lá. O que era pouco, diminuiu mais ainda. As lojas entraram em um marasmo e foi mesmo uma quebradeira. Conquista cresceu com os "mandus" de Poções e nós ficamos com um "mandu" na mão.
As portas da nossa loja foram encolhendo - fechadas. Me lembro de chegar em Poções e encontrar Chico sentado ao lado de minha mãe no tricô, na porta da loja, porque não havia nada para se fazer. Ela tomava conta do pouco ou quase nenhum movimento, pois não justificava manter pessoas empregadas. Para ajudar nas despesas, alugou a casa para Carlos Rizério e depois para Cristobal Marques (Badinho) e se mudou para a casa de Seu Corinto, que estava fechada. Eu era a despesa. Morava aqui em Salvador com meus irmãos numa pequena quitinete, mas existiam as despesas com as refeições no pensionato e o transporte, mantidas com o dinheiro do aluguel. O do cigarro não precisava – me virava no “se me dão”.

E esse "mandu", Chico segurou por algum tempo.

.

Nenhum comentário:

Postar um comentário