Chico Sangiovanni |
Na loja de tecidos, eu era um
desses reforços e ajudava a vender. Aprendi a conhecer a diferença entre
bramante, chita, tricoline e os diversos tecidos. Camisa de “banlon” ainda era
um experimento - o freguês ficava meio assustado com as cores, diferentes do
uso nas estampas dos tecidos mais usuais. Vivíamos na era da camisa “Volta ao
mundo”que eu achava meio fresca, literalmente, nos dois sentidos.
No final da tarde de sábado, os
balcões estavam abarrotados de peças de tecidos, espalhadas e tudo por arrumar.
Cartelas e mais cartelas vazias de enrolar tecidos eram guardadas para
reposição do estoque durante a semana.
Era a época do "mandu". Pois é -"mandu'. A palavra mandu num velho dicionário Aurélio de 1986, que eu uso sempre,
diz que é um tipo que sai no carnaval. Ninguém escreve que "mandu" tinha um
significado mais parecido com "mandu' mesmo – "mandu' no sentido de “uma bronca”,
“um problema”. Também não dizem que "mandu" é dinheiro velho, gasto ou rasgado e,
até mesmo, sem valor.
Mas, o "mandu" que quero falar aqui
é o dinheiro. Nesse movimento da loja, todo mundo jogava o recebido da venda em
uma gaveta e passava o troco. O dinheiro velho era transferido para o cofre e
depois para ser consertado nos dias seguintes. Hoje, lógico, você vai ao banco
e troca o "mandu" velho por um "mandu" novo. Antigamente, pegávamos uma folha
de papel de enrolar manteiga e colava as notas rasgadas sobre ele. Depois, o
papel era recortado no tamanho da nota e o "mandu" tava pronto para ser trocado na Coletoria por dinheiro novo.
Depois dessa época áurea, o
comércio de Poções começou a entrar em decadência. O advento das kombis para
Vitória da Conquista levou todo mundo para gastar o seu "mandu" por lá. O que era
pouco, diminuiu mais ainda. As lojas entraram em um marasmo e foi mesmo uma
quebradeira. Conquista cresceu com os "mandus" de Poções e nós ficamos com um "mandu" na mão.
As portas da nossa loja foram
encolhendo - fechadas. Me lembro de chegar em Poções e encontrar Chico sentado
ao lado de minha mãe no tricô, na porta da loja, porque não
havia nada para se fazer. Ela tomava conta do pouco ou quase nenhum movimento,
pois não justificava manter pessoas empregadas. Para ajudar nas despesas, alugou a casa para Carlos Rizério e
depois para Cristobal Marques (Badinho) e se mudou para a casa de Seu Corinto,
que estava fechada. Eu era a despesa. Morava aqui em Salvador com meus irmãos
numa pequena quitinete, mas existiam as despesas com as refeições no pensionato e
o transporte, mantidas com o dinheiro do aluguel. O do cigarro não precisava –
me virava no “se me dão”.
E esse "mandu", Chico segurou por
algum tempo.
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