"Se chorei ou se sorri, o importante é que em Poções eu vivi"

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Despachando o funeral - Os 100 anos de Chico

Como marceneiro, meu pai contava o seu desempenho na fabricação de móveis e de uma atividade não muito comum à profissão, que era fazer caixões de defunto.

Disse que quando uma pessoa morria na pequena Mormanno, na Itália, ele era encarregado de fazer o caixão. Chamava um amigo e, em menos de duas horas, a encomenda já estava pronta. 
Local onde funcionou a marcenaria de Chico, em Mormanno
Eu acreditava piamente nesse caso contado. Um dia, viajando pela região, cheguei em Poções e perguntei por meu pai. - Ta lá em cima, vá ver o que ele está fazendo, me falou Michele. Encontrei-o terminando um caixão feito com alguns restos de tábuas que havia juntado por longo tempo. Já estava lixando as laterais.

- Veja essa junta da parte mais larga, coloquei um reforço e ficou muito bom. Se sua mãe não reclamasse, eu ia guardar para mim. Vou fazer um acolchoado dos bons, o defunto não vai reclamar.

Ele respeitava o pavor de minha mãe pelos caixões. Revendia modelos industrializados e os deixava no pequeno quarto da loja, escondidos para ela não ver. A gente sabia que ele gostava de tirar uma soneca. Quando saia depois do almoço de domingo, ia direto para a loja tirar a soneca dentro do caixão. Justificava dizendo que estava testando os mesmos para saber qual era o melhor.

Mas, minha mãe sabia que quando alguém batia à porta fora de hora, principalmente se a pessoa estava a cavalo, era para Chico despachar um funeral. Cansei de acompanhá-lo diversas vezes nesses atendimentos, uma recomendação dela para que ele não ficasse só.

Primeiro, perguntava o sexo e a idade. Fazia diferença no que ia oferecer. Depois, perguntava a causa da morte. Normalmente, balançando a cabeça, respondia ao freguês: “coitado”. Começava, então, a separar os tecidos do caixão pelas cores correspondentes às respostas. O normal era enterrar as pessoas com uma mortalha. Branco se fosse um “anjo” (criança) ou mulher. Azul para homens. O cordão de Santo Antônio era de uso comum.

A depender do peso, reforçava na quantidade de alças – de quatro, pulava para seis unidades. Chegava a hora de escolher os enfeites do caixão, que eram figuras de anjos, palmas, o crucifixo, o rosto de Cristo ou de Nossa Senhora, os arremates laterais e as quinas – todos de papelão revestidos de material laminado. Vela e incenso eram de graça.

Na hora de embrulhar, cortava o papel e relacionava os itens com os preços para o freguês levar para prestar conta à família do falecido. Colocava tudo num embornal e seguia viagem a cavalo. Normalmente, a pessoa que comprava era a mesma para cada interior do município.

Essa foi a contribuição que Chico deu na época em que não existiam funerárias em Poções.


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