"Se chorei ou se sorri, o importante é que em Poções eu vivi"

domingo, 10 de fevereiro de 2013

O brasileiro e a Argentina

De Buenos Aires
Quando a porta do avião foi fechada, a aeromoça anunciou que seria necessário pulverizar um produto em spray por determinações das autoridades sanitárias argentinas. Ao meu lado, um senhor idoso, em tom irônico, disse: – ah, isso serve pra matar argentinos. Essa é reação mais natural, típica de uma grande parte dos brasileiros, mal educados e desrespeitadores das leis dos outros países, já que não conseguimos cumprir as nossas. A maioria deles achou a pulverização desnecessária e deu risada, desprezando os argentinos à bordo. Ninguém lembrou da dengue no nosso país.

Quando chegamos em Buenos Aires, ajudei a um senhor idoso,  brasileiro, a tirar a sua mala do bagageiro. Me agradeceu pela gentileza. A mulher daquele que falou do spray, me pede ajuda para fazer a mesma coisa e o “gaiato” do marido me diz: - o senhor vai ser o carregador das nossas malas…

Escuto o comentário de uma outra velhinha, impaciente, que estava atrás de mim: - "A gente não anda porque tem um muro de Berlim na nossa frente", fazendo alusão a minha altura e a outra pessoa também de estatura alta, aguardando a porta abrir para começar a andar.

No dia seguinte, fui comprar o bilhete para andar naqueles ônibus que chamamos de “jardineira”. Um aviso dizia: “Só recebemos pesos argentinos - não recebemos dólares e nem cartão de crédito”. Imediatamente, um gaúcho comenta: - "que absurdo, deveriam receber reais". Tem lugar em Salvador que diz: "Não recebemos em espécie" (e é de espécie alguma).

Inventamos a rivalidade no futebol contra os Argentinos e a generalizamos. A seleção deles é a terceira na classificação da Fifa e a nossa é a décima oitava. Não soubemos administrar a manutenção no topo e criamos o caminho para a “rabeira” – Mano deixou a vaga para los hermanos. Agora, ficamos atrás, de novo, da era Felipão – já era!

Praça de Maio - (Buenos Aires)
Nos falta educação. A empáfia brasileira é um problema. A inveja é mesmo generalizada e temos o desprezo natural pelos argentinos. Ontem e antes de ontem, andei por mais de doze quilômetros a pé pela cidade, coisa que não faço em Salvador, com uma câmera fotográfica na mão, e ninguém me abordou e nem olhou para mim. Aqui se anda em qualquer lugar sem aquela expectativa de ser roubado. Como me arrepia ver um estrangeiro descendo a avenida do Contorno.

Tem brasileiro que fala com argentino em castelhano. O argentino responde em português e ele continua falando em castelhano.

As pessoas ficam nos pontos de ônibus em filas ordeiras e quando ele chega, naturalmente se respeita a fila – não tem empurra-empurra. Ninguém vende churrasquinho e não se coloca o famoso isopor na passagem das pessoas.

Me chamou a atenção a grande quantidade de idosos que circulam à pé, frequentam as ruas, bares, cafés e andam tranquilamente de um lugar para outro. Só vejo nossos velhinhos no hall dos prédios e sempre com um acompanhante. Sair, jamais, correriam o risco de andar nas nossas ruas. 

A cidade é cheia de casas de café e bastante frequentadas. Conte nos dedos os locais que alguém pode tomar um café fora de um shopping, em Salvador. Não estou falando dos carrinhos de café, sonorizados, da Praça da Piedade. 

Não vi ninguém limpando vidro de carro. Não existem os famosos guardadores de carros, donos das nossas ruas. Existem parquímetros, onde você mesmo compra o seu tíquete de estacionamento. O metrô daqui está comemorando 100 anos de existência (o de Londres está completando 150). O de Salvador se arrasta por 13 anos de construção e ainda sem previsão.
Café Tortoni - Buenos Aires
Também imagino se as nossas ruas tivessem as calçadas largas como são aqui - dariam para abrigar aquele tanto de camelôs. Me lembrei do passeio do forte de São Pedro, que é uma esculhambação. Avenidas largas, projetadas e com quarteirões que medem exatos 100 metros, todas com faixas de pedestres, rampas para deficientes (tem alguns lugares que toca uma pequena sirene para o deficiente visual atravessar a rua) e ninguém fica desviando dos carros. Não vi engarrafamentos. O que eles tem de defeito no trânsito é buzinar – buzinam pra tudo. Mas, não tem a peste infernal do som nos carros, nem para tocar tangos.

Av. 9 de Julho - (Buenos Aires)
As ruas limpas com sistema de coleta de lixo seletiva – em cada quarteirão tem dois grandes coletores e esvaziados automaticamente. Isso em Salvador seria uma festa – cada catador se tornaria dono de um coletor.

Parece que a Copa vai ser aqui pela quantidade de obras na rua. Recapeamentos em diversos locais, expansão do metrô e manutenção das coisas públicas. Temos duas obras apenas: a Fonte Nova e a nova torre do aeroporto.

Bastou uma visita ao museu do Bi-centenário da república argentina para conhecer a sua história - coisa muito bem feita com áudio-visuais perfeitos, período por período.

Até cemitério aqui é famoso. Conta a história e é atração turística. As praças publicas são bem cuidadas e frequentadas.  

É certo que não estou falando com o conhecimento de causa dos problemas dessa cidade. Estou comparando ponto a ponto com Salvador e, certamente, com outras grandes metrópoles a exemplo de São Paulo, e não me venham dizer que a culpa é da colonização portuguesa. Nós deveríamos ter um pouco mais de respeito, acabar com a inveja e copiar muitas coisas excelentes que eles fazem aqui. 

Entre elas: Educação e respeito pelas outras pessoas.


P.S. - Lembrando que a região metropolitana de Buenos Aires perde apenas para São Paulo e Cidade do México, na América Latina.


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2 comentários:

  1. Lu, crônica ao mesmo tempo hilária e contundente, pelo destaque de nossas diferenças. Mas a colinização portuguesa pesou muito. Já visitei as 3 Guianas (francesa,holandesa,inglesa) e nota-se a diferença nos resultados da colonização. Isso porque os objetivos (economicos, politicos e ideológicos) são diferentes.Veja por ex a presença holandesa em Recife. Foi algo completamente diferente da portuguesa no resto do Brasil.O português cometeu inúmeros equivocos históricos, e os maiores foram o relacionamento com os indígenas e os africanos. Note que este relacionamento equivocado permanece até hoje.Os argentinos tiveram outras raizes, e o nosso tronco, o italiano, teve uma influência marcante no contexto argentino.Mas (isso não pode deixar de ser dito)com toda a educação que possuem, a Argentina teve as ditaduras mais sanguinárias da América Latina (competindo com o Chile, que também é educadissimo).Assim, a esculhambação brasileira pode até ter suas vantagens...
    Abração e boas férias.
    Eduardo Sarno

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  2. Lulu,
    Somente um bom observador e cronista que você é, é capaz de nos brindar com uma crônica que destaca a maneira educada de agir dos argentinos x brasileiros.
    Abraços,
    Libonati

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