A Câmara Solar faz mostra fotográfica coletiva dos alunos que mais se destacaram nos cursos realizados. Quem quiser ver, pode reservar o lugar por email camarasolar@gmail.com ou me avisar que eu faço a reserva. O espaço é o mesmo onde acontecem as aulas, razão da reserva.
Outras turmas estão sendo formadas. Inscrevam-se! Fotografar faz bem...
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
II Mostra Cinema Poções homenageia Geraldo Sarno
Por Fábio Agra - do Tela em Transe, de Poções
II Mostra Cinema Poções acontece de 15 a 17 de março
Evento homenageia o cineasta poçõense Geraldo Sarno
Evento homenageia o cineasta poçõense Geraldo Sarno
Um evento dedicado a um dos cineastas mais
importantes do cinema documental brasileiro e um dos grandes nomes que veio com
a geração do Cinema Novo. A II Mostra Cinema Poções recebe Geraldo Sarno, diretor
de Viramundo (1965), para lhe prestar
a devida homenagem. Durante a Mostra, que será realizada entre os dias 15 e 17
de março na Câmara de Vereadores do município, serão exibidos filmes do
cineasta e haverá uma conferência, onde Sarno falará sobre sua obra.
Geraldo Sarno nasceu em Poções-BA e em 1965 lançou
o que viria a ser um clássico do cinema nacional, o documentário Viramundo, que aborda a migração
nordestina para São Paulo. O Nordeste, em especial o sertão e suas
manifestações, está presente em quase toda sua obra, como no curta Eu Carrego Um
Sertão Dentro de Mim (1967), que será exibido no último dia da Mostra.
Glauber Rocha, um dos grandes expoentes do cinema brasileiro, afirmava que os filmes de Geraldo Sarno
fundam a consciência documentarística. “Geraldo Sarno desmonta temas e subtemas
em modelares filmes: dali poder-se-ia lançar foguetes aos canais do
futuro".
São cerca de 30 filmes, entre documentários e
ficção, dirigidos por Geraldo Sarno, que é reconhecido tanto no Brasil como na
América Latina. Em 2012, o cineasta baiano foi o homenageado no 24° Festival de
Cinema de Viña Del Mar, no Chile. Seu
último filme, O Último Romance de Balzac
(2010) foi premiado no Festival de Gramado pela Direção de Arte e com o Prêmio
Especial do Júri. Este filme, que é uma
junção de documentário com ficção, dará início às sessões em homenagem a Sarno
na II Mostra Cinema Poções, após a solenidade de abertura que acontece no
auditório da Câmara de Vereadores do município, a partir das 18h30.
A programação da mostra terá ainda a exibição do
clássico Coronel Delmiro Gouveia (1977)
e apresentação da Filarmônica 26 de Junho. Nesta segunda edição, a Mostra
Cinema Poções, que é realizada pelo Cineclube Tela em Transe, além de prestar
esta homenagem a mais um dos filhos da cidade que se tornou cineasta, deve
reunir um grande público durante os três dias de evento, que culmina em um
misto de cinema, música e conferência em um único espaço.
18h30 - Abertura da II Mostra Cinema Poções
Homenagem a Geraldo Sarno
19h30 - Filme: O último romance de Balzac
Sábado (16 de março)
15h - Conferência com Geraldo Sarno
19h - Filme: Coronel Delmiro Gouveia
Domingo (17 de março)
19h - Filme: Viramundo
19h45 - Filme: Eu Carrego um Sertão dentro de mim
20h15 - Apresentação da Filarmônica 26 de Junho
domingo, 24 de fevereiro de 2013
O Divino maranhense
De São Luís, Maranhão
Na terra de São José de Ribamar, nem tudo corre o risco de desabar. Passei por um
casarão com o título de Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho. Chamou-me a
atenção a letra caída no letreiro de identificação e algumas fantasias expostas
no salão inferior, bem na entrada do prédio, o que me fizeram entrar naquele
lugar. Eu não tinha nenhuma referência nem indicação para passar por ali e nem me lembrava das diversas culturas do local.
Fui atendido por um jovem de nome Paulo Vitor,
estudante e guia do lugar, que demonstrou com simplicidade e desenvoltura o
conhecimento de todas as obras expostas no espaço. Foi uma aula.
As fantasias do primeiro salão eram referentes ao
carnaval maranhense. Nos salões seguintes, estavam expostas as peças que
indicavam a vinda de escravos para o Maranhão, as culturas religiosas da umbanda e do
candomblé, bem como a feitiçaria – são visíveis as
diferenças e similaridades com a cultura da Bahia.
Depois de passar pelo salão da maior cultura
maranhense, o bumba-meu-boi, fomos para um outro salão onde a exposição era
muito popular para mim – a da Festa do Divino.
Tambores das Caixeiras do Divino |
A Festa do Divino é forte em Alcântara, no outro
lado da ilha de São Luís, e se espalha por várias cidades do estado. Uma
tradição com moldes na história portuguesa, estruturada com a presença das
figuras do imperador, imperatriz e os mordomos. A presença das mulheres negras
ligadas às religiões afro-brasileiras se dá de forma especial com as Caixeiras
do Divino, que conduzem rituais de manifestação popular e religiosa cantando e tocando
caixas (tambores).
Fica aqui registrado o crescimento dessa festa em muitos
locais do estado do Maranhão e em outras cidades do interior do Brasil, sempre como a conservação de uma cultura religiosa. Nós, poçoenses, mudamos a forma de comemorar e deveremos tomar cuidado para que se
perpetuem as nossas tradições e encontremos uma maneira harmoniosa de mantê-la.
Fazendo justiça, louvem-se as iniciativas de José Onildo - com o Museu Nilza Fagundes Marques, e o IECEM - com o museu na Festa do Divino.
Fazendo justiça, louvem-se as iniciativas de José Onildo - com o Museu Nilza Fagundes Marques, e o IECEM - com o museu na Festa do Divino.
Vindo a São Luís, não deixe de visitar o Centro de Cultura, localizado no Centro Histórico, bem perto do IPHAN.
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Caindo na cabeça
De São Luís, no Maranhão
Ontem, fui fazer fotos do centro histórico da cidade
de São Luís. Passou um policial civil e me disse: - “Cuidado pra que essas casas velhas não caiam sobre a sua cabeça”,
alegando que a culpa é do governo, que não faz nada. Quando soube que eu era
baiano, perguntou: - “A situação na
Bahia é a mesma, não é não?” - "Bastante parecida!", respondi.
Mais adiante, enquanto fotografava um casarão, também
deteriorado, passou uma senhora e disse: -
“Essa casa aí é de um espanhol que comprou pra reformar. Já fazem quatro anos e
o governo não permite”.
Casarão abandonado em São Luís - Maranhão |
O governo, segundo os dois, chama-se IPHAN, o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que é uma autarquia vinculada
ao Ministério da Cultura para a preservação também desses casarões dos centros
históricos.
Já o jornal de hoje, aqui em São Luís, anuncia
em primeira página que o Governo Federal, através dos recursos do PAC, vai reformar mais de
40 casarões no centro histórico dessa Capital.
Essa verba está mais que atrasada se tomarmos como
comparação o estado dos prédios. A condição deles é, literalmente, tão "fértil" que a vegetação
nasce espontaneamente nas paredes e telhados.
Casarão escorado na Conceição da Praia, em Salvador |
Já o policial tem razão de perguntar pela Bahia,
principalmente sobre os velhos casarões do nosso centro histórico de Salvador,
escorados e esperando que as tragédias ocorram. Uma coisa é igual nos dois centros - a recomendação dos policiais de que devo me cuidar com o equipamento fotográfico para não ser roubado.
Enquanto as reformas não chegam, a história se perde
na falta de competência e desqualificação dos nossos governantes.
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sábado, 23 de fevereiro de 2013
Cabeça de Melão
De São Luís, no Maranhão
Na quarta feira passada, durante uma escala na
cidade de Imperatriz, aqui no Maranhão, me lembrei da época em que eu rodava
por essa região. Tentava me lembrar de alguns fatos e, de repente, me veio a
imagem de Sérgio Queiróz, que tem o apelido de “Cabeça de Melão”. Ele havia morado
naquela cidade por algum tempo. Sérgio também tem uma ligação com Poções por
ser sobrinho do falecido Dr. Alcides Pinheiro dos Reis e ter visitado a nossa cidade
desde pequeno.
A viagem continuou e cheguei a São Luis. No dia
seguinte, no café, coloquei no prato duas grandes fatias de melão, daqueles
quando estão amadurecendo. Sentei à mesa e toca o telefone – era Sérgio “Cabeça
de Melão” para me contar que tinha participado de um encontro com outros
amigos.
Comentei a coincidência com Luis Alberto, meu colega
de trabalho, e aproveitei para contar as lembranças tidas na escala, em
Imperatriz.
Em 1989, o Brasil começou com essa história de
construir ferrovias e deixar o projeto pelo meio do caminho. Se construia a
Ferrovia Norte Sul quando José Sarney era o presidente. A empresa que eu
trabalhava, fornecia equipamentos e existia um grupo de pessoas dedicadas ao
atendimento com base em Imperatriz. Da base de Salvador estavam: Sérgio
Queiróz, que tinha montado residencia e levado a esposa Nádia e os dois filhos pequenos.
Eu, José Carlos Boca de Timbau e Antério Oliveira éramos passantes. Também
tinha Edmilson Graciano, outro colega piauíense.
Naquele sábado, estava organizado um churrasco com
alguns engenheiros da obra com as suas famílias no hotel Anápolis. Fomos todos
nós e ficamos aguardando os convidados. Não sei a razão, mas apareceu apenas um
deles e ficou por pouco tempo.
Azar o dele, sorte a nossa. Passamos a beber a
cerveja gelada para o churrasco. Das onze até as três da tarde, detonamos 360
cervejas long-neck. Virou, realmente, uma cachaçada. Fomos parar na sauna do
hotel na tentativa de amenizar os efeitos do álcool.
Naqueles grandes degraus da sauna, cada um começou a
fazer uma besteira, contar uma piada, etc. Antério estava tão “animado” que
resolveu imitar a forma que um dos nossos chefes andava. Escorregou e bateu com
a parte posterior da cabeça no degrau, abrindo um corte entre 5 a 6
centímetros. Ficamos preocupados mesmo sem grande sangramento.
Fomos a uma clínica para suturar o corte. Quando acabou,
o médico que o acompanhava fez algumas pequenas recomendações para que não
bebesse mais. Perguntamos quantos pontos Antério havia tomado e a resposta foi
simples:
- “Aqui eu estou acostumado a costurar facadas de mais de cem pontos,
essas suturas pequenas a gente nem se lembra de contar. É café pequeno”.
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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013
O pentelho do brasileiro
O Aurélio diz que “pente”
significa a porção anterior da pelve que no adulto está recoberta de pelos. Já
a palavra “pentelho”, significa cada um dos pelos que cobrem o pente. Pentelho
também pode ser compreendido como indivíduo maçante, aborrecido, chato. Eu
diria, mal educado.
A bendita terceirização colocou pessoas nos guichês da Polícia Federal. O normal seria o funcionário responder por uma saudação gentil de “boa-tarde”. As duas moças, com caras de paisagem, uma querendo ensinar o trabalho a outra, continuavam com o papo sobre emagrecimento e qual regime deveriam fazer. Nessa hora, eu não estava sendo o pentelho porquê não conseguia atrapalhar o papo delas. As filas agradeciam e engordavam.
Não quero ser pentelho
com essa história de falta de educação do brasileiro (de alguns, é claro), mas
é gritante. Eduardo Sarno comentou que a colonização faz diferença e a
esculhambação pode ter as suas vantagens – até concordo, em partes. Eu estou
falando de uma falta de educação de escola, doméstica, de coisas mais atuais,
de falta de civilidade, de convivência com o outro. Não vamos colocar toda a culpa
no português, portanto.
Também não foi apenas nessa
viagem que percebi que nada muda de uma região para a outra. Todas as regiões
são iguais e a falta de educação é visível. Mudou apenas o tempo da viagem e,
consequentemente, a possibilidade de observar foi mais que normal.
O avião balança e a
comissária pede para que todos fiquem sentados, inclusive a tripulação. Não
bastou falar e levanta uma moça carregando no colo uma criança de uns dois anos
para leva-la ao banheiro. Tomou uma bronca e a pentelha voltou com a cara mais cínica do mundo.
Pousa o avião e mais um
aviso para que as pessoas não se levantem antes de estacionar completamente.
Foram seis avisos e não houve a obediência solicitada. Na sétima vez, em tom
alto, bravo e pausado: S – E – N – T – A – D – O – S. Os pentelhos custaram a
atender.
Quando o avião parou,
ainda houve a necessidade de um reposicionamento. Agora, já estava todo mundo com
as sacolas e malas nas mãos quando foi solicitado que voltassem aos seus
assentos. Não preciso contar a reação dos pentelhos. Foram contrários às suas
próprias seguranças.
Um sujeito, usando chapéu panamá, anunciava bem alto pelo celular que ele estava desembarcando em São Paulo e que havia comprado o brinquedo da filha, querendo saber dos detalhes das vendas do negócio dele durante o carnaval, o tempo em que ficou fora. Quando pensei que tivesse me livrado do sujeito, reapareceu na sala de embarque duas horas depois. Agora ele já estava parabenizando a equipe de vendas por ter batido a meta em mais de dez por cento. Sujeitinho pentelho, esse.
A bendita terceirização colocou pessoas nos guichês da Polícia Federal. O normal seria o funcionário responder por uma saudação gentil de “boa-tarde”. As duas moças, com caras de paisagem, uma querendo ensinar o trabalho a outra, continuavam com o papo sobre emagrecimento e qual regime deveriam fazer. Nessa hora, eu não estava sendo o pentelho porquê não conseguia atrapalhar o papo delas. As filas agradeciam e engordavam.
Fui tomar um café e
novamente o pentelho aqui não tinha o que o caixa queria: O senhor não tem
trinta centavos?
Enquanto fiquei dois minutos
parados no saguão, uma senhora tomava conta de uma criança e esta chorava porque
tinha sede. Gritava para a criança: - pare, sua otária! E só parou de gritar porque
fixei o olhar na cena e ela deve ter dito: - que sujeito pentelho!
Portão 1 - sala 1A - Aeroporto de Guarulhos (foto de celular) |
Na sala de embarque, uma
multidão espera pela vez de embarcar e procura um lugar para se sentar. Num banco,
ocupando todos os assentos, estava deitada uma senhora. O clima de revolta estava
se formando, quando chegou uma outra passageira. - Ei, a senhora pode se levantar?
Aquela que estava deitada, apenas puxa os pés e libera um assento para a
outra. Continuou com o pano que lhe cobria o rosto e ficou ali por uns mais dez
minutos. Levantou, sem acanhamento, se justificando que o Sorine (medicamento
nasal) havia acabado e que fica “cega” quando isso acontece. Boa desculpa – se lembre
– Sorine é bom para pentelhos.
Aí, já era a minha vez
de embarcar e fui rapidinho ao banheiro. O mictório, daqueles que tem umas
telinhas coloridas, estava cheio de chicletes mascados e a borda tomada de pelos.
Que os homens tem a mania de cuspir na hora de urinar, nós sabemos porque. Agora, que as bordas tem que estar cheia de pelos, eu só acho que isso é coisa de pentelhudo.
E como dizia Ibraim Sued: - À demain que vou em frente!!!
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domingo, 10 de fevereiro de 2013
O brasileiro e a Argentina
De Buenos Aires
Quando
a porta do avião foi fechada, a aeromoça anunciou que seria necessário pulverizar
um produto em spray por determinações das autoridades sanitárias argentinas.
Ao meu lado, um senhor idoso, em tom irônico, disse: – ah, isso serve pra matar argentinos. Essa é reação mais natural,
típica de uma grande parte dos brasileiros, mal educados e desrespeitadores das
leis dos outros países, já que não conseguimos cumprir as nossas. A maioria
deles achou a pulverização desnecessária e deu risada, desprezando os argentinos à bordo. Ninguém lembrou da
dengue no nosso país.
Quando
chegamos em Buenos Aires, ajudei a um senhor idoso, brasileiro, a tirar a sua mala do bagageiro.
Me agradeceu pela gentileza. A mulher daquele que falou do spray, me pede ajuda
para fazer a mesma coisa e o “gaiato” do marido me diz: - o senhor vai ser o carregador das nossas malas…
Escuto
o comentário de uma outra velhinha, impaciente, que estava atrás de mim: - "A gente não anda
porque tem um muro de Berlim na nossa frente", fazendo alusão a minha altura e a
outra pessoa também de estatura alta, aguardando a porta abrir para começar a andar.
No
dia seguinte, fui comprar o bilhete para andar naqueles ônibus que chamamos
de “jardineira”. Um aviso dizia: “Só
recebemos pesos argentinos - não recebemos dólares e nem cartão de crédito”.
Imediatamente, um gaúcho comenta: - "que absurdo, deveriam receber reais". Tem lugar
em Salvador que diz: "Não recebemos em espécie" (e é de espécie alguma).
Inventamos a rivalidade
no futebol contra os Argentinos e a generalizamos. A
seleção deles é a terceira na classificação da Fifa e a nossa é a décima
oitava. Não soubemos administrar a manutenção no topo e criamos o caminho para
a “rabeira” – Mano deixou a vaga para los hermanos. Agora, ficamos atrás, de novo, da era
Felipão – já era!
Praça de Maio - (Buenos Aires) |
Nos falta educação. A empáfia brasileira é um problema. A
inveja é mesmo generalizada e temos o desprezo natural pelos argentinos. Ontem e antes de ontem, andei por mais de doze quilômetros a pé pela cidade, coisa
que não faço em Salvador, com uma câmera fotográfica na mão, e ninguém me abordou
e nem olhou para mim. Aqui se anda em qualquer lugar sem aquela expectativa de
ser roubado. Como me arrepia ver um estrangeiro descendo a avenida do Contorno.
Tem
brasileiro que fala com argentino em castelhano. O argentino responde em
português e ele continua falando em castelhano.
As
pessoas ficam nos pontos de ônibus em filas ordeiras e quando ele chega,
naturalmente se respeita a fila – não tem empurra-empurra. Ninguém vende churrasquinho
e não se coloca o famoso isopor na passagem das pessoas.
Me
chamou a atenção a grande quantidade de idosos que circulam à pé, frequentam as
ruas, bares, cafés e andam tranquilamente de um lugar para outro. Só vejo
nossos velhinhos no hall dos prédios e sempre com um acompanhante. Sair,
jamais, correriam o risco de andar nas nossas ruas.
A cidade é cheia de casas de café e bastante frequentadas. Conte nos dedos os locais que alguém pode tomar um café fora de um shopping, em Salvador. Não estou falando dos carrinhos de café, sonorizados, da Praça da Piedade.
Não
vi ninguém limpando vidro de carro. Não existem os famosos guardadores de carros,
donos das nossas ruas. Existem parquímetros, onde você mesmo compra o seu
tíquete de estacionamento. O metrô daqui está comemorando 100 anos de
existência (o de Londres está completando 150). O de Salvador se arrasta por 13
anos de construção e ainda sem previsão.
Café Tortoni - Buenos Aires |
Também
imagino se as nossas ruas tivessem as calçadas largas como são aqui - dariam
para abrigar aquele tanto de camelôs. Me lembrei do passeio do forte de São
Pedro, que é uma esculhambação. Avenidas largas, projetadas e com quarteirões
que medem exatos 100 metros, todas com faixas de pedestres, rampas para
deficientes (tem alguns lugares que toca uma pequena sirene para o deficiente
visual atravessar a rua) e ninguém fica desviando dos carros. Não vi engarrafamentos.
O que eles tem de defeito no trânsito é buzinar – buzinam pra tudo. Mas, não tem a peste infernal do som nos carros, nem para tocar tangos.
Av. 9 de Julho - (Buenos Aires) |
As
ruas limpas com sistema de coleta de lixo seletiva – em cada quarteirão tem
dois grandes coletores e esvaziados automaticamente. Isso em Salvador seria uma
festa – cada catador se tornaria dono de um coletor.
Parece
que a Copa vai ser aqui pela quantidade de obras na rua. Recapeamentos em
diversos locais, expansão do metrô e manutenção das coisas públicas. Temos duas obras apenas: a Fonte Nova e a nova torre do aeroporto.
Bastou
uma visita ao museu do Bi-centenário da república argentina para conhecer a sua
história - coisa muito bem feita com áudio-visuais perfeitos, período por
período.
Até
cemitério aqui é famoso. Conta a história e é atração turística. As praças
publicas são bem cuidadas e frequentadas.
É
certo que não estou falando com o conhecimento de causa dos problemas dessa
cidade. Estou comparando ponto a ponto com Salvador e, certamente, com outras grandes metrópoles a exemplo de São Paulo, e não me venham dizer que a culpa é da colonização portuguesa. Nós deveríamos ter um pouco mais de
respeito, acabar com a inveja e copiar muitas coisas excelentes que eles fazem
aqui.
Entre
elas: Educação e respeito pelas outras pessoas.
P.S. - Lembrando
que a região metropolitana de Buenos Aires perde apenas para São Paulo e Cidade
do México, na América Latina.
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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013
O cisto e calvário
Crônica publicada em agosto de 2007
-
E aí Doutor, o que é isso? É caso de cirurgia ou dá pra espremer?, perguntei.
-
Seu médico é quem vai dar o parecer cirúrgico, leve pra ele o resultado!
Retrucou, descontando a resposta da primeira pergunta.
- Você deixou um bilhete para todos nós dizendo que faria uma cirurgia no pé esquerdo. Não sei porque você tem que ser tão preciso, bastava dizer que era uma cirurgia!
Ele
não entendeu nada. Vai entender quando ler a crônica.
.
Vivemos
numa época de tanta tecnologia e rapidez de procedimentos que um pequeno cisto
mostra a fragilidade do sistema de atendimento médico e o vai-e-vem de
consultório em consultório:
Recentemente,
uma saliência no calcanhar do meu pé esquerdo passou a incomodar com a simples
pressão do sapato ou então com fortes pontadas enquanto dormia. Alguns amigos
diziam que era “a velhice”.Outros diziam que era “esporão de galo”.
Nada
mais oportuno que procurar um médico para examinar. Fui ao dermatologista e me
encaminhou para o exame de ultra-sonografia. O médico do ultra-som, ao
examinar, me perguntou qual era o diagnóstico que o médico dermatologista havia
dado:
– Doutor, ele não disse nada, mandou perguntar
ao senhor!
O
médico, com cara de poucos amigos, respondeu:
-
É um cisto de conteúdo espesso!
Cheguei
a marcar nova consulta com o dermatologista mas perdi o exame. Dias depois,
comentando o fato com uma amiga minha que é médica, solicitou um novo
ultra-som. Voltei à clínica e o médico buscou a segunda via do exame no computador,
refez o procedimento e comparou as dimensões, atualizando o laudo.
Agora
não tinha jeito, iria continuar com a decisão de eliminar o cisto.
No
aniversário de minha sobrinha, encontrei com um primo que é excelente clínico e
quase implorei pra que fizesse a consulta no salão de festas. Marquei para
levar o laudo no consultório na segunda-feira seguinte e assim fiz.
Muito
previdente, me aconselhou a consulta com o ortopedista, pois o cisto estava
colado ao nervo. Marquei a consulta com o especialista e na hora estava lá.
A
avaliação foi prontamente feita e o caso era de solução cirúrgica, solicitando dois exames complementares –
Eletrocardiograma e Coagulograma. Com os resultados, voltei para a consulta
final e combinamos a cirurgia para a semana antes do carnaval, pois precisaria
ficar 15 dias de repouso.
Fui
ao hospital apresentar a requisição e confirmar a data, dia 13. Preenchida uma
série de formulários, pediram que aguardasse a aprovação do convênio e que
ainda precisaria fazer a consulta com o anestesista no dia anterior ao da
cirurgia.
No
dia 12, a anestesista perguntou logo qual era o braço a ser operado.
– Não doutora, não é o braço, é o pé!
Ela,
uma jovem, responde: - É que os médicos de hoje esquecem dos detalhes!
Eu
não quis tomar os documentos e mostrar que o ortopedista colocara pé esquerdo e
procedimento correto na requisição.
No
dia 13, me internei ao meio-dia. Jejum absoluto desde as seis da manhã. Me
mandaram vestir um pijama com as marcas do hospital e colocaram uma pulseira de
identificação. Imaginei estar pronto para o camarote do hospital, já que era
semana de carnaval e o pijama um perfeito abadá.
Chegada
a hora, a enfermeira veio me buscar. Fui andando até o centro cirúrgico. A
anestesista de plantão era outra. Me recebeu e pediu para que lavasse numa pia
o braço que seria operado. – Não, minha senhora, é o pé esquerdo! Só me senti
aliviado quando ouvi a voz do médico, lá de dentro da sala: - É o pé, doutora,
a gente lava aqui na mesa mesmo!
Furaram
a minha mão, colocaram soro, um medidor de tensão no meu dedo, controlador
cardíaco, captadores nas costas e um pequeno tubo na parte externa das narinas
e me disseram: - O senhor vai sentir vontade de dormir, é normal!
Com
tanto aparato, ainda brinquei: - Imagine se fosse uma operação cardíaca!
Na
verdade eu não dormi, pois foi necessária apenas a anestesia local. 15 minutos
depois eu estava de volta ao quarto, vivo, graças a Deus e com o pé
corretamente operado, não o braço.
Após
a cirurgia, recebo a ligação de um colega de trabalho que comentou:
- Você deixou um bilhete para todos nós dizendo que faria uma cirurgia no pé esquerdo. Não sei porque você tem que ser tão preciso, bastava dizer que era uma cirurgia!
Eu
respondi: - E se tivessem operado o meu braço? Você estaria com uma prova a meu
favor...
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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013
Carnaval - das caretas à meningite
Crônica publicada em 2007 nos sites Terradodivino e Recanto das Letras
Tenho algumas lembranças bem antigas do Carnaval de Poções, de 1962.
Uma delas, a figura das “caretas”. De repente, no domingo de carnaval, a Rua da Itália era invadida pelos máscaras pretas com orelhas coloridas pontiagudas e lábios de um vermelho forte. Tinha um medo terrível e não via a hora daqueles “cãos”, como eram chamados, irem embora. As fantasias muito bem feitas e difícil saber, de imediato, quem estava por baixo delas. Era Vicentão Sarno e a sua turma (César Lubião, Marcos Lagartixa, Carlinhos Carioca, Luiz Bosteiro, Rudiá e outros), a gente acabava descobrindo.
Em meio às caretas, me lembro de outro grupo que desfilava pelas ruas fazendo batuques e tirando som de cuícas, tambores e tamborins – a Batucada. A praça Deocleciano Teixeira lotava. Era uma turma mais velha, geração acima da minha, que se vestia com roupas listradas de vermelho e branco com apliques e arremates em vermelho. Tinham uma coreografia em forma de ziguezague e estilo musical pouco comum na cidade, saindo das mãos de tantos e de alguns sem muita afinidade musical. Valia pelo barulho, era Carnaval.
Já no final da década de 60, abria-se espaço na rua para fantasias individuais com a liberação de criatividade e espontaneidade. A melhor de todas que eu assisti foi a criada por Pepone, que se fantasiou de Seu Corinto Sarno com roupas próprias do nosso tio – calça com suspensório, chapéu, óculos e um possante pulverizador costal (era utilizado para pulverizar as parreiras com enxôfre). Só que Pepone inovou e colocou farinha de trigo no lugar do enxôfre. O pó branco era enxergado de longe e cada vez mais as pessoas se ofereciam para receber a sua pulverizada.
(Pepone: quando ler a crônica, comente sobre as reações de Ernesto Benedictis e Fidelão)
Mas o Carnaval de rua acabava e continuava no clube. Havia uma grande expectativa quanto à decoração de cada ano. Por muito tempo, um dos grandes idealizadores dessa decoração foi Miro Paradela. Ele criava a sua equipe para colocar serpentina ao redor das paredes em direção ao centro do clube, fazendo imensas barrigas sem deixar espaços abertos. Nas paredes a gente pendurava velhos cartazes de figuras estilizadas, utilizadas nos anos anteriores. O grupo era reforçado por Beto Nápoli. Participei de várias decorações nos dois clubes. Tudo isso em troca de algumas garrafas de whisky e cervejas durante o carnaval – era o preço cobrado e pago pela diretoria do clube. Cabia a Nadinho e a Coêlho o controle do consumo do grupo ornamentador.
O Carnaval de Poções variava de iniciativas e cada ano era diferente. Igual mesmo era a banda e o sentido de rotação anti-horário das pessoas dentro do salão. Quando a gente ia dormir, o ressonar do surdo de marcação parecia não querer desligar da nossa cabeça.
No início da década de 70, me mudei para Salvador e revezei alguns carnavais entre as duas cidades. Aqui, a minha participação ativa começou na praça da Piedade. Lá passava o Bloco do Barão, sem cordas, com o velho Barão sentado numa cadeira sobre o carro alegórico, usando óculos escuros e acenando para a multidão de admirados e fanáticos seguidores. Em 77, desfilava o Bloco do Jacu, sem cordas e, entre tantos foliões, os meu amigos Zé Boca de Timbáu e Arivaldo, que eram chamados de Nestor e Zé Carioca, pela semelhança com a dupla de Walt Disney. Os Apaches do Tororó vinham na cola do Jacu.
Para se ter idéia, não havia ainda a passarela do Campo Grande. Tudo se resumia à Avenida Sete, Praça Castro Alves, Rua Carlos Gomes, com retorno na Casa d´Itália. Um bloco dava três voltas por tarde naquele percurso. O palco principal ficava montado na praça do Elevador Lacerda.
No sábado pela manhã a gente se reunia ao lado da Igreja do Rosário, numa barraca montada no terreno defronte a agência Bradesco Avenida, onde trabalhavam Edson Exler, Rominho Schettini e Sandoval Calmon. Portanto, era fácil encontrar o resto da turma: Minuca (filho de Seu Martinho Magalhães e Dona Albinha), Clodoaldo (cunhado de Minuca), Hernane Exler (irmão de Edson), Michele (meu irmão), Gil e amigos dos amigos.
Nosso bloco era o “Sniff”, o bloco do gato, que saia a partir de domingo. Um dos mais bonitos e freqüentado por “universitários de engenharia”, segundo Lindivalson e Maurício, dois donos do bloco, que tinha ponto de partida na porta do Colégio Severino Vieira em direção a Avenida Sete, parando em todos os bares da Joana Angélica.
Nosso carnaval era organizado e havia pontos estratégicos. A gente marcava encontro no Clube de Engenharia, na Lanchonete Manon do Forte de São Pedro, no Braseiro, na Gooday Chinesa para comer esfiha ou na Tôrre do Canela onde morava. Fazíamos dali um ponto especial, pois a geladeira era abastecida diariamente com cerveja em lata. Até o fundo da geladeira era disputado para secar as mortalhas, os abadás da nossa época.
Clodoaldo, o grande animado da turma, tinha o apelido de “tranca-rua” e um contagiante bom-humor mesmo ressaqueado. Pulando dentro do bloco, gritava “Olha a meningite, olha a meningite” para lembrar a todos que havia um surto da doença na cidade e que o beijo era um fácil transmissor. Então, ninguém podia beijar na frente dele que logo ia ouvir a recomendação. Imagine, na média, eram mais de vinte casais se beijando na corda do bloco. Coitado, passava o dia inteiro gritando.
Edson sempre foi considerado o “desanimado do carnaval”. Ficava igual à aquelas cobras ninjas, apesar do apelido ser Jacaré. As vítimas vidravam no seu belo par de olhos azuis. Lógico, o bote era certeiro. Não desperdiçava veneno. Mantinha sempre a mesma estratégia: ficava andando dentro do bloco no domingo e segunda. Na terça, danava a pular. Não tinha vítima de ninja que resistisse.
Mas o quartel general era a casa de tia Ilza, mãe de Edson, na Barra Avenida, bem pertinho do Largo do Porto da Barra. Além de ser nossa conselheira, tinha uma paciência danada para agüentar tanto bêbado e manter sempre quente o panelão de feijoada. Era o ponto de transição da Avenida Sete para os carnavais de clube, entre eles a Associação Atlética da Bahia. Não havia ainda o carnaval na Barra. Quando a gente chegava, tia Ilza logo dava conta das nossas brincadeiras na rua. É que a TV mostrava ao vivo o palco da Praça Municipal e ela já havia visto cada um de nós e com quem tínhamos passado abraçados.
À noite, de mortalhas mudadas, falsificávamos as carteirinhas e todo mundo entrava de graça para brincar nos salões. Eliana e Elizabete, irmãs de Edson, faziam o revezamento de entrada e saída no clube para levar as carteiras e só paravam depois de todo o grupo ter entrado.
Edson, com aquele sorriso de dentes travados me dizia: “já é domingo de carnaval e estamos cansados. Enquanto isso, o carnaval em Poções tá começando!”.
É certo que a nossa turma presenciou a mudança do Carnaval. O que era popular, de se assistir sentado na calçada da própria casa, transformou-se rapidamente em comércio. É comum nos atuais carnavais, os mais velhos relembrarem de cima dos camarotes um pouco das suas histórias quando ainda passa uma bandinha “chupa-catarro”. No asfalto, a juventude vai construindo aquilo que um dia vai chamar de passado.
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Uma delas, a figura das “caretas”. De repente, no domingo de carnaval, a Rua da Itália era invadida pelos máscaras pretas com orelhas coloridas pontiagudas e lábios de um vermelho forte. Tinha um medo terrível e não via a hora daqueles “cãos”, como eram chamados, irem embora. As fantasias muito bem feitas e difícil saber, de imediato, quem estava por baixo delas. Era Vicentão Sarno e a sua turma (César Lubião, Marcos Lagartixa, Carlinhos Carioca, Luiz Bosteiro, Rudiá e outros), a gente acabava descobrindo.
Em meio às caretas, me lembro de outro grupo que desfilava pelas ruas fazendo batuques e tirando som de cuícas, tambores e tamborins – a Batucada. A praça Deocleciano Teixeira lotava. Era uma turma mais velha, geração acima da minha, que se vestia com roupas listradas de vermelho e branco com apliques e arremates em vermelho. Tinham uma coreografia em forma de ziguezague e estilo musical pouco comum na cidade, saindo das mãos de tantos e de alguns sem muita afinidade musical. Valia pelo barulho, era Carnaval.
Já no final da década de 60, abria-se espaço na rua para fantasias individuais com a liberação de criatividade e espontaneidade. A melhor de todas que eu assisti foi a criada por Pepone, que se fantasiou de Seu Corinto Sarno com roupas próprias do nosso tio – calça com suspensório, chapéu, óculos e um possante pulverizador costal (era utilizado para pulverizar as parreiras com enxôfre). Só que Pepone inovou e colocou farinha de trigo no lugar do enxôfre. O pó branco era enxergado de longe e cada vez mais as pessoas se ofereciam para receber a sua pulverizada.
(Pepone: quando ler a crônica, comente sobre as reações de Ernesto Benedictis e Fidelão)
Mas o Carnaval de rua acabava e continuava no clube. Havia uma grande expectativa quanto à decoração de cada ano. Por muito tempo, um dos grandes idealizadores dessa decoração foi Miro Paradela. Ele criava a sua equipe para colocar serpentina ao redor das paredes em direção ao centro do clube, fazendo imensas barrigas sem deixar espaços abertos. Nas paredes a gente pendurava velhos cartazes de figuras estilizadas, utilizadas nos anos anteriores. O grupo era reforçado por Beto Nápoli. Participei de várias decorações nos dois clubes. Tudo isso em troca de algumas garrafas de whisky e cervejas durante o carnaval – era o preço cobrado e pago pela diretoria do clube. Cabia a Nadinho e a Coêlho o controle do consumo do grupo ornamentador.
O Carnaval de Poções variava de iniciativas e cada ano era diferente. Igual mesmo era a banda e o sentido de rotação anti-horário das pessoas dentro do salão. Quando a gente ia dormir, o ressonar do surdo de marcação parecia não querer desligar da nossa cabeça.
No início da década de 70, me mudei para Salvador e revezei alguns carnavais entre as duas cidades. Aqui, a minha participação ativa começou na praça da Piedade. Lá passava o Bloco do Barão, sem cordas, com o velho Barão sentado numa cadeira sobre o carro alegórico, usando óculos escuros e acenando para a multidão de admirados e fanáticos seguidores. Em 77, desfilava o Bloco do Jacu, sem cordas e, entre tantos foliões, os meu amigos Zé Boca de Timbáu e Arivaldo, que eram chamados de Nestor e Zé Carioca, pela semelhança com a dupla de Walt Disney. Os Apaches do Tororó vinham na cola do Jacu.
Para se ter idéia, não havia ainda a passarela do Campo Grande. Tudo se resumia à Avenida Sete, Praça Castro Alves, Rua Carlos Gomes, com retorno na Casa d´Itália. Um bloco dava três voltas por tarde naquele percurso. O palco principal ficava montado na praça do Elevador Lacerda.
No sábado pela manhã a gente se reunia ao lado da Igreja do Rosário, numa barraca montada no terreno defronte a agência Bradesco Avenida, onde trabalhavam Edson Exler, Rominho Schettini e Sandoval Calmon. Portanto, era fácil encontrar o resto da turma: Minuca (filho de Seu Martinho Magalhães e Dona Albinha), Clodoaldo (cunhado de Minuca), Hernane Exler (irmão de Edson), Michele (meu irmão), Gil e amigos dos amigos.
Nosso bloco era o “Sniff”, o bloco do gato, que saia a partir de domingo. Um dos mais bonitos e freqüentado por “universitários de engenharia”, segundo Lindivalson e Maurício, dois donos do bloco, que tinha ponto de partida na porta do Colégio Severino Vieira em direção a Avenida Sete, parando em todos os bares da Joana Angélica.
Nosso carnaval era organizado e havia pontos estratégicos. A gente marcava encontro no Clube de Engenharia, na Lanchonete Manon do Forte de São Pedro, no Braseiro, na Gooday Chinesa para comer esfiha ou na Tôrre do Canela onde morava. Fazíamos dali um ponto especial, pois a geladeira era abastecida diariamente com cerveja em lata. Até o fundo da geladeira era disputado para secar as mortalhas, os abadás da nossa época.
Clodoaldo, o grande animado da turma, tinha o apelido de “tranca-rua” e um contagiante bom-humor mesmo ressaqueado. Pulando dentro do bloco, gritava “Olha a meningite, olha a meningite” para lembrar a todos que havia um surto da doença na cidade e que o beijo era um fácil transmissor. Então, ninguém podia beijar na frente dele que logo ia ouvir a recomendação. Imagine, na média, eram mais de vinte casais se beijando na corda do bloco. Coitado, passava o dia inteiro gritando.
Edson sempre foi considerado o “desanimado do carnaval”. Ficava igual à aquelas cobras ninjas, apesar do apelido ser Jacaré. As vítimas vidravam no seu belo par de olhos azuis. Lógico, o bote era certeiro. Não desperdiçava veneno. Mantinha sempre a mesma estratégia: ficava andando dentro do bloco no domingo e segunda. Na terça, danava a pular. Não tinha vítima de ninja que resistisse.
Mas o quartel general era a casa de tia Ilza, mãe de Edson, na Barra Avenida, bem pertinho do Largo do Porto da Barra. Além de ser nossa conselheira, tinha uma paciência danada para agüentar tanto bêbado e manter sempre quente o panelão de feijoada. Era o ponto de transição da Avenida Sete para os carnavais de clube, entre eles a Associação Atlética da Bahia. Não havia ainda o carnaval na Barra. Quando a gente chegava, tia Ilza logo dava conta das nossas brincadeiras na rua. É que a TV mostrava ao vivo o palco da Praça Municipal e ela já havia visto cada um de nós e com quem tínhamos passado abraçados.
À noite, de mortalhas mudadas, falsificávamos as carteirinhas e todo mundo entrava de graça para brincar nos salões. Eliana e Elizabete, irmãs de Edson, faziam o revezamento de entrada e saída no clube para levar as carteiras e só paravam depois de todo o grupo ter entrado.
Edson, com aquele sorriso de dentes travados me dizia: “já é domingo de carnaval e estamos cansados. Enquanto isso, o carnaval em Poções tá começando!”.
É certo que a nossa turma presenciou a mudança do Carnaval. O que era popular, de se assistir sentado na calçada da própria casa, transformou-se rapidamente em comércio. É comum nos atuais carnavais, os mais velhos relembrarem de cima dos camarotes um pouco das suas histórias quando ainda passa uma bandinha “chupa-catarro”. No asfalto, a juventude vai construindo aquilo que um dia vai chamar de passado.
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