"Se chorei ou se sorri, o importante é que em Poções eu vivi"

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Tiro de Guerra

Se tem uma coisa em Poções que eu não fiz foi “servir o Tiro”.

Quando me alistei no serviço militar, já morava em Salvador e fui incluído no “excesso de contingente”. Cheguei perto. Por uma questão banal, o soldado que organizava as filas não foi com a minha cara e me jurou, dizendo: “Pode se preparar, eu quero ver você limpando canhão no Forte de Mont´ Serrat!” Já havia tomado as medidas do capacete, botas e farda.

Juro que perdi a vontade e fiquei me lembrando do Tiro de Guerra 135. Senti que daquela forma não daria certo. Aí, um Tenente de nome Lorenzoni, viu as medidas na ficha e perguntou por que queria servir. Respondi que gostaria, mas estava cursando a Escola Técnica e que um soldado havia jurado o meu destino. O tenente, também filho de italiano, entendeu a minha situação, me dispensou da tarefa e frustrou a vontade daquele soldado predestinador.

Quem também suou frio nesse dia foi Ebenezer Fagundes Ferreira (Déo). Juntos, cruzamos os dedos e aguardando a confirmação que estávamos fora das listas de convocados. Já na semana seguinte, liberados, a gente estava jurando a bandeira na 17ª CSM, na Barroquinha, lembrando do soldado.

Ainda em Poções, tive contatos com algumas turmas do TG. Nas tardes de sábado, o Sargento Severino dava “banca” da língua francesa depois da “instrução aos atiradores”. Eu chegava cedo e ficava esperando a instrução terminar. Na verdade, gostava mais de ouvir as instruções do que assistir aula de Francês. Terminada a sessão, os soldados eram liberados para engraxarem os coturnos (botas), pois no domingo deveriam assistir à missa celebrada pelo Padre Honorato. Com essa rápida convivência, eu gravava os números deles, que era como se identificavam.

O contato maior era nas comemorações cívicas, principalmente nos 21 de abril e 7 de setembro. Logo de manhã, a turma do Ginásio se concentrava no CNEC. Lá estava Renan Macêdo organizando as filas por ordem de tamanho, com o grupamento do pessoal do curso Normal à frente, os homens na seqüência e depois as mulheres. Entregava as bandeiras para os divisores de pelotões e então partíamos para nosso primeiro destino que era a porta do TG. De longe, já avistávamos os atiradores em posição de “descansar”, com os fuzis agrupados em três, desde as 6 da manhã.

Todos nós aguardávamos ansiosos pelas chegadas de Francisco Paradella, Diolino Luz, Monsenhor Honorato, Irmã Bernadete, o próprio Renan, Dr. Ernesto Benedicts, Tenente Celino, Dr. Irundy, Pastor Isaías e demais autoridades. Com eles, estavam representadas as classes civis, militares e eclesiásticas. Se faltasse um, a gente tinha certeza que a cerimônia ia ter um discurso a menos.

Na seqüência da cerimônia, chegava a Bandeira Nacional. Era trazida de dentro da sede do TG pela guarda especial comandada pelo Sargento Severino, vestido com a roupa de gala e lapelas cheias de gemas. O silêncio era total e escutávamos o barulho dos coturnos batendo ao chão, os comandos de “sentido” e “apresentar armas”. A bandeira era hasteada e o corneteiro se posicionava para anunciar a hora do hino nacional.

Renan assumia a posição de mestre de cerimônias e chamava as pessoas para o discurso. Quando os oradores oficiais terminavam, ele anunciava: “a palavra está franqueada”, todo mundo ficava na expectativa para saber quem seria o próximo orador. Sempre aparecia alguém sacando um discurso do bolso e arrumando os papéis na mão. A gente já sabia de cor (e salteado) a introdução do mesmo.

Beirava às 10 da manhã, sol de rachar. Um barulho e movimentação anormal no meio dos atiradores. Era um deles que não aguentava e caia ao chão. O barulho era peculiar – primeiro, o fuzil caía e, na seqüência, o corpo desabava. A gente espalhava entre os colegas – o 19 deu um “abacate” (acho que o termo abacate foi aplicado devido à cor verde da farda e o cidadão espatifar ao chão).

Discursos encerrados, todas as entidades presentes estavam liberadas para o início do desfile. A depender da ocasião, existiam estudantes vestidos de índios, caçadores, atletas, sem contar as bicicletas enfeitadas de papel crepom. Era uma festa. Além do Tiro de Guerra e alunos do Ginásio, desfilavam as escolas primárias, os times de futebol e algumas associações de classes. Era tanta gente que, enquanto o primeiro pelotão passava em frente ao posto de Miguel Labanca, ainda havia gente saindo da frente do TG.

Desfilar nas ruas da cidade tornava-se uma demonstração de civilidade e respeito à pátria. Passar a bandeira e um cidadão ficar de chapéu ou sentado? Nem pensar. Não saber cantar o hino nacional? Imperdoável. Qualquer gesto da população contra estes preceitos era de imediato observados por nós, estudantes.

O dia de marchar era esperado durante todo o ano, dia da nossa demonstração de civilidade. Hoje, essa simbologia acabou. Passamos a assistir, impotentes, a violência desenfreada, a impunidade, o descrédito da classe política e o império da lei do mais forte.

Mas acho que continuamos a marchar. Estamos marchando para o fim do mundo...

Essas lembranças são dedicadas a Jônatas Fagundes Ferreira (Jota). Um grande amigo, exemplo de simplicidade, comandante do “fim da fila”, companheiro de tantas horas e meu insistente professor de corneta. Pessoa de humor contagiante entre os nossos amigos do Ginásio e os de convivências comuns.

Nos deixou precocemente. Restam as lembranças e as saudades!”




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Um comentário:

  1. comm fauna career ofmr khurshid geared organismsthe aperioi construes commons computer
    semelokertes marchimundui

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