Por Antonio Leandro Fagundes Sarno (*)
Em maio de 1993, durante a chegada das bandeiras, nos festejos
do Divino Espírito Santo, às 9:00hs da manhã, minha mãe, preocupada, me disse:
- Vá ficar com o seu avô, pois ele desceu “pras” barracas e não
vai acertar voltar sozinho pra casa. Só saia do lado dele quando ele chegar em
casa.
Disse isso motivada pela idade avançada de Vovô Tonhe (Antonio
da Silva Fagundes), o que também me deixou apreensivo. Todos nós já sabíamos
que, neste exato dia, ele gostava de encontrar os amigos pra beber. Fui até a
Praça do Divino e o encontrei em uma barraca que ficava de frente da Igrejinha,
logo na esquina, no fundo do pavilhão.
Sentados com ele estavam Pia Soldado, tio Quito, tio Zelinho e
outros bons amigos de farra. Peguei uma cadeira e sentei ao lado de Vovô Tonhe,
para ouvir as conversas e as suas histórias, não menos interessantes que as de
Tio Zelinho e Tio Quito. Entre as cadeiras vermelhas de ferro, com o logotipo
da Brahma no encosto, o cheiro das palhas da barraca misturado ao cheiro da
cerveja, do quentão que era vendido em frente à igrejinha do divino e do
cigarro de Tio Zelinho, tive uma sensação boa de estar entre os mais velhos da
família, de paz e pertencimento.
Na barraca, uma panela de pressão apitando e um som gradiente
cinza tocando Chiclete com Banana, o que para os que estavam à mesa, não
significava nada. Vovô Tonhe nem sequer ouvia o que estava tocando naquele som,
devido à sua surdez. Ele estava mais interessado mesmo na conversa à mesa. De
repente, Tio Quito ficou cantarolando os velhos dobrados enquanto batia com os
dedos no logotipo da Brahma, na mesa de ferro vermelha. Engraçado era ver que
Vovô Tonhe ouvia o cantarolar dos dobrados por Tio Quito, mas não ouvia o som
da barraca. Ele sabia exatamente os nomes dos dobrados e os seus compositores,
o que me deixava muito orgulhoso.
Foi naquela mesa que ouvi pela primeira vez o nome de Heráclio
Paraguassu Guerreiro, da cidade de Maragogipe, na Bahia. Vovô Tonhe falava dele
com empolgação, dizendo que este compositor escreveu mais de 600 músicas e
começou a estudar caixa com 12 anos na Filarmônica de Maragogipe. Tio Zelinho
falando das Jazz Bands e de Gleen Miller. Eu, calado, ouvia aquilo tudo
procurando compreender o que estavam falando, feliz por estar participando
daquela mesa entre aqueles que fizeram parte de uma Filarmônica e que sabiam
ler partitura.
Em meio ao bate papo, vovô Tonhe reclamou que a cerveja em outra
barraca estava quente. Nesse momento, Tio Zelinho acendeu um cigarro e riu,
confirmando aquela informação. De repente, Vovô Tonhe volta a atenção pra mim e
pergunta:
- Quantas vezes você já tocou na Festa do Divino?
- Esse ano toco pela primeira vez com a Banda Centaurus, Vô! Respondi.
- Sabe quantas vezes eu já toquei? Perguntou ele.
- Não, respondi curioso em saber o que ele iria dizer.
- Só tocando contrabaixo (Tuba Souzafone) foram 60 anos!
- Esse ano toco pela primeira vez com a Banda Centaurus, Vô! Respondi.
- Sabe quantas vezes eu já toquei? Perguntou ele.
- Não, respondi curioso em saber o que ele iria dizer.
- Só tocando contrabaixo (Tuba Souzafone) foram 60 anos!
Aquilo chamou a minha atenção, despertando um interesse nunca
sentido antes. Sem hesitação, perguntei:
- Quantos instrumentos o senhor tocou na Filarmônica?
- Comecei tocando caixa aos 13 anos, passei para a trompa (saxhorn) e depois mudei para o contrabaixo (tuba souzafone). Respondeu ele.
- Comecei tocando caixa aos 13 anos, passei para a trompa (saxhorn) e depois mudei para o contrabaixo (tuba souzafone). Respondeu ele.
Quando ele disse isso, entendi a empolgação dele ao falar sobre
Heráclio Paraguassu Guerreiro. Ambos começaram estudando caixa em uma
Filarmônica com praticamente a mesma idade. Acredito que Vovô Tonhe gostava
tanto deste compositor que deu um nome parecido a um de seus filhos, Heráclito
Fagundes, o nosso Tio Quito.
Após várias e várias
conversas com os amigos, ele resolveu voltar pra casa. Eu o acompanhei
orgulhoso pelos seus 60 anos de tuba. Mal sabia eu que, anos depois, estaria
dando aulas de música em uma filarmônica, que foi fundada como o resgate de um
pedaço da história de Poções. E mal sabia ele que eu, encantado com as
histórias narradas naquela mesa, senti uma imensa vontade de viver aquilo tudo
com todos eles, nem que fosse por um instante.
Vovô Tonho. Quanta saudade. Aprendi música com tio nadinho. Na minha infância em Poções toquei requinta nesta filarmonica
ResponderExcluirLembro bem das conversas musicais na porta da casa de vovô Cide entre tio Tonhe, tio Nadinho, tio Pedro França, vovô e os "garotos" Arnaldo e Bete. Sempre acompanhada de solfejos maravilhosos eram uma verdadeira aula de música. Muita saudade desses tempos.
ResponderExcluir