Dia das mães passado, fiquei
pensando em Anna Maria, a minha mãe. Lembranças saudosas e alegres do tempo em
que eu ainda era estudante de escola primária.
Uma italiana com o estudo
incompleto, mas que se esforçara para aprender o português. Falava com o sotaque
carregado e os vícios do aprendizado, da convivência com parentes italianos e
com os vizinhos de Poções. Uma nova língua, talvez. Usava o aumentativo das
palavras com terminações que as confundiam se eram certas ou erradas. Por
exemplo: a palavra fogão era pronunciada “fogone” no lugar de “fornello”.
Nesse embalo, eu aprendia um
“italiano misturado” - o suficiente para entender os assuntos que os tios
falavam durante as reuniões de família. Quando uma tia brasileira conversava
com outra tia italiana, a conversa era em português. Quando o grupo era só de
italianos, rolava o dialeto original de Mormanno. Os filhos e primos que
circulavam entre os grupos podiam entender tranquilamente.
A vivência no núcleo familiar, no
dia a dia, era sempre surpreendente. Falava-se com a conveniência do momento. Na
presença de estranhos ou amigos, quando se fazia um comentário mais particular,
era em italiano. Quando chegava aquela visita meio inesperada, alguém lembrava para
que fosse colocada uma vassoura atrás da porta da despensa, de cabeça para
baixo – uma simpatia para que a visita não demorasse muito. Se dizia em
italiano: “Mete la scopa dietro a la
porta”. E quando a visita insistia em permanecer, colocávamos um pano de
prato enrolado nas palhas, já que as vassouras eram feitas com esse material.
Mesmo quando a visita era o Padre Honorato, falávamos em italiano. Ele era
surdo e poderia fazer leitura labial. As visitas do Padre eram sempre próximas
ao meio dia e, nesse caso, a vassoura não funcionava. Restavam duas opções: ou
convidá-lo para o almoço ou prometer entregar um prato de comida na sua casa.
Durante as refeições, geralmente sempre
se falava em italiano quando era para contar algo. O português, a gente falava
para pedir a garrafa d´água, o pão, um talher, etc. As refeições eram pontuais
e a reclamação por atraso era em italiano.
Chegava a vez de minha mãe
controlar os estudos. Ela não tinha experiência suficiente porque meus irmãos
mais velhos trilharam caminhos que não necessitaram dos ensinamentos. Pepone
estudou no Ginásio de Jequié desde os 10 anos de idade. Michele e Elisa
estudaram em Poções – eram bons alunos e minha mãe conseguia controla-los pelas
notas dos boletins. Eu sempre fui desatento para estudar e ela habituou-se em
“tomar a lição”. Tinha que ler o texto completo, pois ela não dividia os
assuntos e nem fazia perguntas. Era uma tarde inteira para aprender.
Se não tivesse aprendido, me
devolvia o livro até que eu decorasse a lição. Levei sempre na “valsa” e quando
não dava conta de concluir a tarefa, fazíamos um acordo para estudar nas
primeiras horas de dia claro do dia seguinte. Como dormia no quarto do meio e
só havia janela no quarto ao lado, passava um cordão sobre a porta do quarto de
Elisa e assim que o despertador tocava, puxava a persiana da janela para deixar
a luz entrar. Ficava deitado de lado e o livro aberto voltado para mim. Minha
mãe levantava e ia ver se estava estudando. Nessa hora, o coração de mãe batia
mais forte e ela perguntava: Tá
estudando? Eu despertava do cochilo e apenas mostrava o sinal de positivo
com o dedo. Ela não ia conferir.
Mas havia uma outra crença que fazia
questão de recomendar. Pedia para que eu dormisse com o livro debaixo do
travesseiro. Assim, dizia, a lição entraria mais fácil na cabeça.
Quando o motor da usina quebrava,
restava estudar à luz de velas. Era hora de rezar o terço.
Não dava conta de entender
algumas palavras pela rapidez que pronunciava. Ao rezar a Salve Rainha, as
primeiras palavras eram: Salve Rainha, Mãe de
Misericórdia, Vida, doçura e esperança nossa... As palavras Vida, doçura,
eu só conseguia entender como se fosse “Vida do Sul”.
No Pai Nosso, a frase que dizia “venha a nós ao
vosso reino” só ouvia como se fosse “venha nós a vassourinha”
Hoje, quando ouço a música “Salve o Divino, Espirito Santo, puro
paráclito, consolador. Aceitai, as lindas rosas, tão preciosas do nosso amor”
a lembrança da minha mãe é tão presente porque ela gostava de arrumar a casa
cantando esta música. Vinha toda tranquila e quando entrava no quarto, parava
de cantar, me sacudia e perguntava “perché
non si sveglia?” (porque não acorda?). Ao cantar a música, ela não
conseguia falar a palavra “aceitai”. No sotaque carregado, pronunciava: a-zz-eitai
signor...
Enfim, a religião se fazia
presente. Quando ela sentia que eu não estava preparado para uma prova, pedia
ajuda aos santos. Recomendava que eu colocasse um “santinho” no bolso da farda.
Enquanto isso, mantinha uma vela acesa junto às imagens dos santos. Quando o
resultado da prova era bom, o santo havia ajudado. Quando era ruim, a culpa era
só minha.
Oggi, mia cara Anna Maria, il mondo è molto cambiato.
Lulu,
ResponderExcluirParabéns por nos brindar com essa linda homenagem.
Libonati
Nem conheci sua mãe, mas percebo que como todas as mães era uma pessoa notável.
ResponderExcluirÉ bom conhecer histórias de pessoas que marcam nossas vidas assim.Com certeza dona Ana Maria criou um grande homem com seus ensinos e paciência.
Parabéns Sangionanni.
Muito bom ler estas memórias, interessante.
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