O jegue, em Poções, sempre fez sucesso. Criar o
animal, porém, nunca foi vantajoso porque não trazia retorno financeiro. Bruno
Sangiovanni, meu sobrinho, quando morava aqui em Salvador, me passava a
cotação: “tio, um jegue em Poções custa cinquenta centavos e ninguém quer
comprar”. Explicava, portanto, a razão de tanto jegue perambulando na cidade.
Me lembro de passagens envolvendo jegues na cidade,
numa época em que os animais andavam soltos e se alimentavam nos mangueiros ao
longo do rio São José – nas gramas do chafariz defronte a casa de Dr. Alcides e
no campinho das gramas, onde passa a tubulação de água quase defronte da casa onde
morou Seo Abel Magalhães.
- Seu Liligo,
Seu Liligo, me acode. O jegue “butuou”, o jegue “butuou”, repetia Véio de Zé Galo depois
de tentar um encontro amoroso com o animal e esse desembestar pela Av. Cônego Pithon. Passou
pela frente da casa de Liligo e recomendou ao “jegueiro”: - belisca o saco do bicho que ele solta. Belisca o saco…
Não vou explicar aqui o que significa “butuou” por
duas razões: a primeira é não ter que entrar nos detalhes. A segunda, é que
todo poçoense da minha geração tem a obrigação de saber (e como tem) o que significa o termo
“butuar”. E quem não é da minha geração, pergunte a alguém mais
velho.
Ainda sobre as paixões pelos jegues, tinha os da estrada
da Cachoeirinha quando era a época da gabiraba. Bastava uma bicicleta com uma
corda no bagageiro e a gente já sabia o resultado.
Mas, vamos voltar aos jegues mansos, os de sucesso. O
jeguinho de Dezinho trabalhou muito. Saía de Morrinhos e trazia o leite para
ser vendido na casa de Fernando Schettini (Bigode ou Fernando de Araci). E
Dezinho não gostava de andar pela estrada dos Araçás, o antigo caminho para
Morrinhos. O velhinho, de barbas brancas e tronco arriado, deixava os baldes
cheios, pegava os vazios e os deixava pendurados
na cangalha enquanto fazia a venda do leite, litro a litro. O jeguinho,
amarrado, esperava pacientemente até o meio dia, quando Dezinho estava pronto
para voltar pra Morrinhos.
Mas, o valor de cinquenta centavos por um jegue subia de cotação na festa do Divino quando foi criada a Turma do Jegue. Passava para R$ 1,00. Depois de exibido e
montado na chegada das Bandeiras, o animal era solto e retornava para o seu
lugar de origem. Até volante o jegue tinha e os enfeites lembravam os que
desfilavam na lavagem da Bonfim, aqui em Salvador.
Como os animais andavam soltos, era comum que eles
buscassem alguma coisa para comer. Certa vez, um daqueles pequenos redemoinhos
que aconteciam em Poções, levou uma folha de jornal para a varanda da casa de
Emílio Sarno (vizinho ao casarão dos Schettini). O jegue, paciente, subia a rua
da Itália, foi direto na folha de jornal e comeu o papel naturalmente. Eu achei
aquilo estranho e guardei na memória a cena.
Quando os meus filhos, Ricardo e Carla, eram pequenos,
minha mulher Bete tinha o costume de contar histórias para que eles dormissem. Um
dia, sendo a minha vez de colocá-los para dormir, contei a história do jegue
que comia papel. Entre eles, essa história virou um “clássico” infantil. Toda
vez que eu estava próximo e perguntava qual a história que queriam ouvir, eles
não negavam a resposta e diziam:
- Conta a
história do jegue que comia papel.
.
Lulu,
ResponderExcluirContinue nos brindando com suas belas histórias.
Libonati