"Se chorei ou se sorri, o importante é que em Poções eu vivi"

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Relembrando Arthur...

Arthur era filho de Seu Olímpio Rolim e dona Ziza Matos. Eles moravam na casa ao fundo da nossa. Olímpio foi prefeito de Poções entre os anos de 1959 e 1962. Eu transitava na casa de meu tio Giovanni, vizinho de porta do casal, e sempre tinha um tempo de prosa com os irmãos Armando, Orlando e Rilde Juliete. Portanto, tive uma relação muito próxima com a família. Mais tarde, quando os meus filhos eram crianças, foram acompanhados pelo irmão Crésio, também médico e excelente pediatra, aqui em Salvador.

Arthur começou a sua vida profissional no início dos anos 70, quando eu ainda estudava no Ginásio. Poucos médicos se aventuravam a clinicar em Poções – Dr. Ari Dias, Dr. Antônio Libonati, depois o Dr. Orlando Ventura de Matos (tio dele), o próprio Arthur, mais tarde Dr. Eduardo, Dra. Henriqueta, Dr. Francisco e Dr. Emanuel.

A foto abaixo mostra Arthur sendo um dos jurados de um desfile de modas que ocorreu no Clube Social de Poções, o clube velho.
Os jurados Irundy, Noélia, Lélia, Arthur, Chico (meu pai) e Carlos de Daniel
Me lembro de duas passagens com Arthur.

Um dia de festa no Clube de Poções, meu irmão Pepone se envolveu numa briga e, no meio da confusão, pisou num caco de garrafa e cortou a lateral do pé. Sangrava bastante e enrolamos uma toalha de mesa na tentativa de estancar o ferimento. Naquela época, qualquer pessoa ferida ou necessitando de cuidados médicos era encaminhada para a farmácia de Fábio Rocha, a Farmácia Santana, o Hospital Regional estava fechado, abandonado. Só que o ocorrido no clube foi às quatro da manhã. Antonio Celso Sarno foi acordar o Dr. Arthur para fazer a sutura. A clínica dele era ao lado da farmácia do pai, na praça principal. De imediato, o jovem médico chegou com a maletinha na mão, lavou o ferimento, anestesiou e deu os pontos. Enquanto fazia o trabalho, brincou com meu irmão quando perguntou se era sério o ferimento e se a quantidade de sangue perdido era muita. Arthur, naquele semblante bonachão, respondeu: - Fique tranquilo, aquilo que você perdeu foi o álcool, o sangue tá todo aí…

Outra vez, mais recente, num sábado de manhã, tomava "uma" com meu irmão Michele, o amigo Remo e meu sobrinho Bruno no bar do Posto Gardelin, no Pituba. Por alguma razão, o rosto de Bruno começou a inchar devido a uma reação alérgica. Michele ficou preocupado e fomos ao hospital para o atendimento de emergência. A recepção do hospital estava lotada e o rosto avermelhado de Bruno inchava mais. – Vamos na casa de Dr. Arthur, disse Michele. Quando chegamos, ele tomava uma cerveja no quintal e ficou contente em ver que teria companhia. Michele sinalizava preocupação com a situação de Bruno. Tranquilamente, Arthur disse: - Guel, senta aqui pra gente conversar! Mande Lulu levar Bruno na farmácia pra tomar uma colher de Polaramine. Depois, ele volta pra tomar uma e eu olho Bruno. Mas é besteira. Depois a gente ver a causa!   

Esse era Dr. Arthur, o amigo e profissional, sempre pronto para atender.

 
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terça-feira, 27 de agosto de 2013

Arthur de Matos Rolim - Falecimento

Arthur Rolim (Foto: Ricardo Benedictis)
Informo a todos o falecimento do Dr. Arthur Francisco de Matos Rolim, 73, ocorrido nessa manhã.
Arthur, como médico, sempre se destacou pela sua competência, os seus corretos diagnósticos e a dedicação pela nossa cidade. Excelente amigo e cidadão.

Poções perde um grande filho, um grande profissional, um grande homem.

domingo, 18 de agosto de 2013

Há que se ser grave

Por Ricardo Sangiovanni - Publicado no  O Purgatório

É sábado de manhã e faz sol, estou de saída para um caruru, hoje estava só na intenção de contar aqui, rapidinho, o caso das meninas que semana passada fugiram de minha aula chata para ir tomar café e imaginar Gramado, a linda e cordial, a bucólica e pacífica e feliz Gramado do Rio Grande do Sul que não conheço.

Mas não, porque há que se ser grave na vida quando nem bem uma semana faz que mataram com um tiro na cabeça uma colega de trabalho, e atiraram seu corpo no asfalto imundo em troca de um carro, de trinta dinheiros, de sei lá o quê de rico e desimportante aqui, tão longe de Gramado, nesta Cidade da Bahia.

Há que se ser grave, amigos, com ternura que seja, mas há que se ser grave, porque não há válvula de escape, não há leveza pura, não há risada burra, não há recortar-se do mundo que valha se depois o sujeito tiver de voltar e enfrentar de novo o mesmo mundo, o mesmo ou até piorado mundo, quando acordar segunda-feira.

Há que se ser grave diante da brutalidade, da expressão aparentemente pura e banal da maldade perpetrada por um, por dois bandidos de meia tigela, que não sabem por que mataram, mataram simplesmente porque mataram, incapazes que foram de tomar outra decisão para cumprir sua missão bandida daquela noite.

Há que se ser grave quando se sabe que não foi o primeiro nem será o último crime de semelhante natureza nesta cidade, neste país; quando se sabe que não-sei-quantos mil crimes bárbaros nunca foram nem serão suficientes para despertar uma reflexão sincera, severamente auto-crítica, sobre o porquê de haver gente no Brasil assim, ruim, cruel, incapaz de pensar, antes de puxar o gatilho, na barbaridade do ato que está prestes a cometer.

Há, amigos, que se ser grave, diante de nossa incapacidade de compreender que o ódio que em nós desperta a figura daqueles dois pobre diabos é absolutamente normal, legítimo, humano – e, provavelmente, os defina mesmo. Mas mais graves ainda é necessário sermos para ponderarmos que tal sentimento não nos autoriza, enquanto indivíduos, enquanto sociedade, a fazer nenhuma leitura apressada, que repute simplesmente à “crueldade”, à “banalidade”, ao “mal” puro e simples e exterior a nós, “probos”, o homicídio daquela noite.

Há que se ser grave, em contrapartida, também diante da armadilha da culpa cristã: será que somos todos igualmente responsáveis, na soma e média aritmética de nossos atos individuais, por vivermos em uma sociedade capaz de semelhantes atrocidades? Sim, mas também não. Sim porque, de fato, reproduzimos e praticamos diariamente a exclusão de quem nos é exterior, de quem nos parece dessemelhante, e assim contribuímos para que a alguns seja dada a condição de homens, a outros, a de feras. Mas veementemente não, se a partir daí pretendermos acreditar poder banir o mal do mundo à base de pequenos, de individuais, de homeopáticos gestos de cordialidade, respeito, de caridade, de alguma forma elitista de bondade quiçá.

Há que se ser grave para tentar entender a natureza da “crueldade”, da “banalidade”, do “mal” que cada vez mais, no Brasil, se nos apresenta como “puro e simples”, entendê-lo no que nele houver de mais humano, para talvez, com sorte, descobrir e assumir a parcela de responsabilidade por ele que couber a cada fração de nossa sociedade. Nesse sentido, inspirado pelo ótimo filme sobre Hannah Arendt que assisti ontem – e recordando o pouco de seu trabalho que já li – palpito, mal comparando, que é preciso abandonarmos radicalmente a hipocrisia que nos leva a, feito escritores de maus folhetins, colocarmo-nos a nós mesmos no cômodo lugar de “vítimas”, e a partir de tal sentirmo-nos autorizados a exigir medidas, respostas, punições – da Polícia, do Governo, dos Céus enfim. Há mais é que se escrutinar, tenaz e continuamente, sem auto-complacência, a brutalidade à qual acreditamos estar meramente “expostos”. Porque se dois seres humanos são capazes de puxar um gatilho de revólver diante da cabeça de uma pessoa qualquer em nome de qualquer coisa que lhes pareça ser uma “missão maior” (ainda que tal não seja o complexo nazismo, mas “só roubar e escapar”), é sinal, amigos, de que algo de muito pernicioso há na sociedade, na cultura em que eles (nós) vivem(os) e se (nos) formam(os). Nada disso atenua a monstruosidade deles hoje, nem do crime que cometeram, mas é isso ou acreditar, simplesmente, que se trata de um par de feras, de erros da espécie, de “não-seres humanos”.

Enfim, há que se ser grave, ou então passar a vida sendo obrigados a dar uma fugidinha de vez em quando, para tomar café e ser feliz, lá longe, na distante, na imaginária Gramado de nossos sonhos.

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