Outro dia fui trabalhar e dei carona ao meu amigo e colega de trabalho Guilherme Junot. Ele é natural de Ilhéus e o nosso apoio por todo o interior da Bahia.
Leitor assíduo da coluna, todo domingo à noite me liga e diz: - Lulu, li sua coluna. Ilhéus é igualzinho, tem essas mesmas histórias!
Fica fácil conversar com ele porque as particularidades são próximas. Busco mais uma relação e vejo que somos da mesma Capitania, a dos Ilhéus, do donatário Jorge de Figueiredo Correia e pergunto:
- Você sabe o que é fazer fole? A gente não se agüenta na risada e ele responde:
- Você está na profissão errada, devia ser jornalista!
A conversa continua e emplaco: - “Fazer fole” é diferente de “bater o fole”, você não acha? Mais alguns momentos de gargalhadas e vamos lembrando das coisas comuns. Antes, eu peço que responda a diferença entre “fazer fole” e “bater fole”. Ele emenda que o ferro de gomar, além do fole, precisa do sopro de quem passa a roupa, cuidando para que as fuligens não caiam no tecido.
- Fazer fole é entregar alguém, fofocar, brincar com as pessoas, estou certo? disse ele.
Tão certo que Guilherme foi aprovado no seu conhecimento de termos comuns usados na capitania hereditária. A conversa agora começa a ficar séria. Nós passamos por tudo isso e não faz muito tempo. Fomos lembrando de coisas e comportamentos de outras épocas, das mudanças no curto espaço de tempo.
Durante a conversa, ia ligando as coisas que aconteciam em Poções. No beco apertado, havia a maior quantidade de alfaiates. O fole da tenda de Tani (Otoniel Monteiro Costa) ficava na porta e quando a gente passava, tinha sempre alguém batendo. Mais abaixo, na tenda de Arnóbio, Valter e Déo também tinha o fole em plena atividade. O mesmo acontecia na tenda de Alfredo, na subida para Morrinhos
Falamos da facilidade em que hoje compramos nas farmácias. Ligamos e pedimos, sem cerimônia, um pacote de camisinhas, modess e outros e quando recebemos conferimos os produtos na frente do entregador. Lembrei-me da farmácia de Fábio Rocha e a cena era comum: Um cidadão precisava comprar modess (absorvente feminino) para a esposa e não tinha coragem de entrar na farmácia e fazer o pedido. Os modess eram vendidos em caixas de papelão e ficavam arrumados no alto da prateleira. O cliente apenas cumprimentava Fábio e olhava em direção à prateleira e com o bico apontando para que ele entendesse. Lógico que não precisava falar nada e nem pagar. Habilmente, a despesa ia para a nota.
Nas farmácias de Dr. Ari, Fábio e Seu Olímpio, existiam os almanaques Fontoura e Sadol. Quem lia a histórias de Jeca Tatu acabava tomando Anquilostomina para combater o hospedeiro que causava o amarelão. E tome Capivarol, Emulsão Scoth, biotônico Fontoura, Cafiaspirina e tantos remédios – alguns deles ainda fabricados.
Fui contar essas histórias na casa da minha sogra e a juventude de lá não se lembra da enceradeira. Imagine alguém se lembrar do escovão, aquele que tinha uma placa de ferro para ajudar a pressionar as cerdas no chão. Bater o escovão depois de espalhar a cera por toda a casa, era um trabalho insano. A invenção da enceradeira poupou o trabalho de muita gente. Interessante que os cachorros manchados de vermelho também sumiram.
Não faz muito tempo, 45 anos, luz era um objeto carente. Bastava “quebrar” o motor e a cidade ficava dias sem energia. Era na base de pequenos geradores que funcionava o cinema e algumas casas. Geladeira só a gás. Os rádios eram na base do acumulador de energia. A cidade tinha o seu movimento a noite limitado até as 22 horas, quando tudo escurecia. São Jorge estava lá, na lua, e se enxergava melhor a constelação do Cruzeiro do Sul.
A energia elétrica é a responsável pelas comodidades dos dias atuais. Será que conseguiríamos trocar o chuveiro elétrico pela lata d´água? Viver sem computador depois das dez da noite? Trocar a lâmpada pelo candeeiro a gás? Estudar com luz de velas?
Pois é, tomar Coca-Cola em Poções era negócio de luxo, só existia em Conquista. O máximo que circulava na cidade era gasosa de limão e guaraná Fratelli Vita. Crush e Grapette eram coisas moderníssimas e comercializadas em engradados de madeira.
Andorinha e Campineiro eram as marcas dos distribuidores de doces naqueles caminhões pretos, Mercedes-Benz, ano 56, cara redonda. Com sorte, ler um jornal só com dois dias de atraso. Quando uma pessoa morria fora de Poções, a notícia vinha via rádio ou telefonavam para Conquista e de lá partia um mensageiro e, muita vezes, o falecido já estava enterrado.
E Zé Carlos Leto ainda me escreve dizendo que tempos bons eram esses daí e viaja nesse tempo de saudades...
Nossa sorte Zé, é que nunca jogamos pedra na cruz, a não ser no pé do cruzeiro da Lapinha e não foi nenhum pecado.
E se não foi pecado, será que foi progresso mesmo chegarmos até aqui?
Depois eu conto o dia em que o telefone tocou em Poções pela primeira vez. E essa garotada vive reclamando do celular e do acesso à internet.
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Valeu Lulu, já estava me fazendo falta as suas historias
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