"Se chorei ou se sorri, o importante é que em Poções eu vivi"

domingo, 21 de setembro de 2014

A barbearia

(publicada em setembro de 2007, no site www.terradodivino.com.br)

No sábado, após o sete de setembro, fui cortar o cabelo com Nildinho. Não havia tanta necessidade assim, não estava grande. A verdadeira intenção era relembrar os bons tempos da barbearia de Hermes.

De cara, na porta, estava João Batatinha - uma cena histórica. Perguntou logo por Adilson Santos, o mais famoso artista plástico de Poções. Eu e Nildinho, começamos a trocar algumas poucas palavras enquanto observava o ambiente. A minha primeira lembrança veio do nome fundido no suporte dos pés – “Ferrante”, que confirmava ser ainda a mesma cadeira, modelo 27, fabricada nos anos 40 por Gennaro Ferrante.

À esquerda, um pouco mais acima, bem à mostra, no pequeno armário de porta de vidro estavam expostas as aposentadas máquinas manuais de cortar cabelo. Tava lá a máquina mais famosa e mais temida - a que cortava no tamanho “zero”.

Até os penduradores de toalhas são os mesmos. Lembrava-me de quanto tempo passava ali, sentado, de cabeça baixa, para que Hermes ajeitasse o pé do cabelo que nasce, até hoje, arrepiado, ouvindo as histórias contadas por aqueles que esperavam a sua vez.

Tinha dúvida se estava no museu ou na grande escola de profissionais cabeleireiros que Poções formou. Perguntei por Elias, Barbeirin e Juscelino. Nildinho fez conta do tempo de trabalho, das idades, me disse o paradeiro de cada uma das pessoas e ainda comentou: - Você sumiu mas me lembro desde que era pequeno, já cortei seu cabelo e cortava o de Chico (meu pai) até os seus últimos dias.

É verdade, as contas bateram e a nossa diferença de idade é de 7 anos.

Como gira a cadeira do barbeiro, gira também o pensamento. Ela parou apontada para um dos bares que ainda existem na travessa Lions Club. Pude avistar “Já Modeu” e lembramos da origem do seu apelido. Perguntei por Celso Relojoeiro. Nildinho ria, ficou impressionado como me lembrava das coisas. Talvez ele nem soubesse das minhas lembranças nas colunas.


Como poderia esquecer de uma das travessas mais famosas da cidade? Ali nascia e acabava a saudade. Dali partiam e chegavam os ônibus - a “rodoviária de Poções”. Era como se estivesse vendo juntos, Netário, Everaldino, Abílio Roxo e Jió despachando tantos poçõenses para o mundo.


P.S. Mais sobre a Barbearia de Nildinho aqui no Blog

domingo, 14 de setembro de 2014

Prego e o rádio

Em 1984, passei a ser Gerente de Peças e tive a incumbência de visitar as filiais, residências e clientes no interior da Bahia.

Durante muitos roteiros, fiz parceria com Lauro Matta, experiente vendedor de máquinas e um tremendo gozador. Ele era residente em Vitória da Conquista. De lá, partíamos para o roteiro do Sul da Bahia até Teixeira de Freitas. Itabuna era a primeira parada para dormir.

Sempre nos hospedávamos no Lord. Havia um bar no térreo que era o ponto de encontro dos viajantes da região. Hotel simples, com uma particularidade nos apartamentos – um rádio de cabeceira da marca Semp.

Em toda viagem a gente se juntava ao residente da região de Itabuna José Carlos, o Prego. Assim o chamavam porque era magro e a cabeça grande. A gente se reunia no apartamento que me hospedava. 

Prego viu o rádio e pensando que era meu, perguntou:

Mas você leva esse rádio toda vez que viaja? – é pra ouvir jogo do Flamengo? É muito sacrifício”.

O rádio é bom. Pega até a Rádio Globo antes das 5 da tarde. Já me acompanha desde rapaz”, respondi.

Você quer vender? É pra meu irmão Deco, aquele lá de Teixeira de Freitas. Ele fica sozinho e o rádio seria uma boa companhia. Pago com cheque pré-datado”.

Lauro, mostrando desinteresse na conversa, disse:

Olha San, lá em Conquista tem desses rádios, você compra outro. Deve custar um duzentos, piscando o olho para mim”.

É San, Deco vai gostar, fica lá na filial sem ouvir nada. Nem televisão ele tem. Vou levar o rádio pra testar por alguns dias” disse Zé Carlos.

É de pilha e de energia, ele vai gostar, Tá bom, Zé, pague 150 e a gente fecha o negócio. Faça dois cheques para os dias dos salários seguintes”

Terminada a reunião, Prego colocou o rádio sob o braço direito e empunhou a pasta 007 com a mão esquerda e me pediu para chamar o elevador. Lauro esperava por esse momento, pegou o telefone e ligou para a recepção:

Olha, aquele cara que subiu vai levando o rádio do hotel. Pegue ele aí”.

A recepcionista já o conhecia e, meio embaraçada, falou: “Seu Zé, ei seu Zé”. Apontou o dedo para o rádio mas não disse nada. Continuou apontando e falou “Seu Zé, Seu Zé, oh ..........., oh ...........

Ah! O rádio? Acabei de comprar na mão dos meninos! É pra Deco, meu irmão”

Certo, seu Zé, só que o rádio pertence ao hotel”.

Desapontado, subiu e foi direto para o apartamento de Lauro. Só se acalmou quando viu outro rádio igual na cabeceira da cama. Ele compreendeu a brincadeira e descemos para o bar. Meia hora depois, chegou com um rádio comprado na Avenida Cinqüentenário para o irmão.

Meses depois Deco faleceu. Zé Carlos fundou a Silmar, uma loja de peças para tratores em companhia de Josivaldo, o Rivelino. 

Notas do Blog
Depois de muitos anos sem contato com Zé Carlos, semana passada me ligou Zé Palladino e estava na loja dele, em Itabuna. 

Lauro Matta, hoje, aposentado, mora em Salvador e é o Presidente da AMARV - Associação dos Moradores e Amigos do Rio Vermelho.

- Crônica inicialmente publicada no extinto site Terradodivino.com.br 


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