"Se chorei ou se sorri, o importante é que em Poções eu vivi"

sábado, 28 de novembro de 2009

O Santo e o Estudante


Nos dias de prova, o certo é que minha mãe acendia uma vela para Santa Rita e eu colocava um “santinho” no bolso da camisa da farda. O santo era São Domingos Sávio.

Coitado, botava a culpa nele sempre que tirava notas baixas. Minha mãe insistia em dizer que eu não havia rezado direito para o santo. Desde pequeno, era costume rezar antes e durante as provas.
Deusdinea Luz - no encerramento do curso primário (ao fundo, a profa. Bohêmia Marinho)

Fui um aluno regular a médio – significava que não tinha muita variação – era mesmo na média, o suficiente para passar de ano. Sempre estudei em vésperas de provas. Isso era ruim, mas confiava no Santo porque acreditava que não me deixaria na mão.

Eu e São Domingos Sávio fomos sócios por um bom tempo. Freqüentamos as mesmas carteiras e nunca fomos reprovados. Passamos por Bohêmia Marinho, Maíta Curvelo, Professora Zirinha, Lêda Sampaio, Avani Mattos, Deusdinéa Luz, Getulina Carvalho, Stela Schettini, Glorinha Macêdo, Miriam Mascarenhas e Lia Paradela, todas no primário. Interessante, não havia homens ensinando no primário naquela época.

O que estudamos deu para fugir das palmatórias. Ajoelhar em milho já não existia mais. Pegamos uns castigos de escrever a mesma frase mil vezes, do tipo “Não devo desobedecer a minha professora”. Tanta escrita que o Santo, nessa hora, não fazia a parte dele. Dizia que era a minha vez de treinar a caligrafia.

O primário passou e fui cursar o ginásio. Na companhia do pessoal mais velho, não “colava” mais essa história de santo no bolso da camisa. A vela ainda ficava acesa, mas escondia o santo na carteira ou dentro do caderno.
Depois, no vestibular, o negócio era estudar ou estudar. Fui para o “cursinho” reforçar a minha base e deixei de culpar o pobre santo.

Com ou sem ele, o certo é que construí uma base educacional com interesse e dedicação. Melhor ainda porque os meus professores foram imbuídos na formação de cidadãos. As escolas não faziam diferenciações sociais e os princípios morais e éticos eram respeitados. Alunos e professores faziam as suas partes.

Eu agradeço a educação que recebi dos meus mestres professores poçõenses, inclusive aqueles do ginásio e que sempre cito nas colunas. Sem eles, não teria a capacidade de desenvolvimento mental, intelectual, social e profissional, principalmente.

Minha velha tia italiana, Miminna, de 99 anos, surda, mesmo sem nunca ter arredado o pé da sua cidade natal, diz que “o mundo mudou, porém os professores são os mesmos”. Uma verdade que deve ser sempre reavaliada e que mostra toda a importância e responsabilidade da classe.

Mas não posso deixar de revelar dois segredos:

Na dúvida entre a minha capacidade e a do santo, ainda tenho a mania de carregar um “santinho” no bolso. Fui conferir ali na carteira e tem o de Santa Edwiges, que me foi dado pela professora Heloísa Curvelo, há mais de 12 anos. Meio supersticioso, não sei bem a hora em que devo trocar um santo por outro mais novo. Enquanto isso, Edwiges já está toda desgastada, mas continua sendo a minha sócia e consultora nas questões de dinheiro.

O segundo segredo (foi minha irmã quem me alertou), é que continuo rezando a oração do Santo Anjo do Senhor como se fosse a de São Domingos Sávio:

“Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou a piedade divina, sempre me rege, me guarde, me governe, me ilumine”.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Os filmes de legendas vivas

O Cine Santo Antonio foi o cinema que marcou época em Poções. Fisicamente, limitava o final da parte larga da atual Av. Olímpio Rolim com o início da Rua Apertada, que era um funil até chegar na subida da Igreja. Além da exibição de filmes, vários artistas famosos se apresentaram no seu palco, a exemplo de Agnaldo Timóteo, Nelson Ned, Mauro Figueroa, Valdick Soriano, Nelson Gonçalves e tantos outros.

Era o tempo da transição do preto e branco para o colorido. Os cartazes dos filmes ficavam na praça. Quantos letristas tiveram a chance de desenvolver suas artes nos cartazes – quem não se lembra de Dida, Pinho, Bartola e Tena?

Além de obras de artes, os cartazes destacavam filmes famosos como O Dólar Furado (Giuliano Gemma), El Dorado (John Wayne – a gente lia Jovane), Ladrões de Bicicletas (de Vittorio di Sicca), Tarzan (de Edgar Rice Burroughs com Johnny Weissmüller), Maciste (Bartolomeo Pagano), Quo Vadis (Robert Taylor), Dio Come ti Amo (Gigliola Cinquetti) e tantos outros como Ursus, Hércules, Sansão e Dalila, O Mágico de Oz, sem contar os filmes da Paixão de Cristo exibidos na semana santa. Em um dos cantos do cartaz sempre estava escrito – Technicolor ou Cinemascope – o sinal do avanço tecnológico.

Normalmente, de segunda a sábado, as sessões eram à noite – a chamada soirée. Domingo e feriado tinha também a matinée, onde muita gente aproveitou para começar a namorar naquela parte de cima que era chamada de camarote.

Falar de cinema em Poções, não se deve esquecer dos grandes administradores Fidélis Sarno (Fidélis de Boa Nova), Nicola Leto, Vavá e Tena, insistentes na manutenção das salas. Fidélis fundou o Cine Jóia (onde hoje funciona o Bradesco). Em outro nível, dois cineastas poçõenses marcaram os seus nomes no cenário nacional. São eles: Tuna Espinheira e Geraldo Sarno.

Do outro lado, na platéia, figuras marcantes como Lino Carregador e Seu Dôca (Florisvaldo Cruz Ramos), viviam as cenas como se fossem reais. Mas acho que Luiz Schettini Barbosa, o Luiz Bosteiro, foi o mais importante deste segundo grupo. Apesar de não ser artista, nem fundador e cineasta, foi o responsável pelas maiores “artes” dentro do Santo Antônio. Um dia, a gente se encontrou na festa do Divino e ele contou algumas das muitas estórias engraçadas. Uma delas era sobre as legendas vivas.

Naquela época, antes do filme, era costume passar o jornal com as notícias da Luiz Severiano Ribeiro e os gols do Canal 100. A mesma fita era passada na matineé e na soirée. Luiz assistia as duas sessões e gravava as imagens na cabeça. À noite, casa cheia, ele soltava as legendas.

Na primeira cena, o avião do presidente Castelo Branco pousava. A porta do avião se abria e aparecia a imagem do presidente acenando para os que estavam em terra. Luiz aguardava a imagem do presidente e antes do aceno, gritava: “e aí Castelo, não vai falar com os pobres?” O presidente acenava e a galera no cinema era um riso só.

Na segunda cena, já no meio do filme, Hercules fugia da perseguição de soldados dentro de um túnel. Ele para, olha para trás e continua a correr. Luiz fez a cena assim: Antes da parada de Hércules, gritou bem alto “Hércules, Hércules...” depois que o artista para, ele voltou a gritar: “Não é nada não, pode ir, pode ir...” Mais uma vibração do público.

Parte da história do cinema em Poções pode ser contada com passagens engraçadas como estas de Luiz e, sem dúvida, dos comportamentos de Lino e Dôca. Registro a lembrança do extinto cine Glória como uma evolução da época e o fim de um tempo substituído pelo vídeo-cassete e, mais recente, o DVD. Quem sabe, um dia, Poções pode ter um Shopping Center e voltar os tempos do cinema, como já acontece em Vitória da Conquista.
Leia nos Comentários a história que Jorge Bufão conta
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terça-feira, 17 de novembro de 2009

O Chamuscão


Vinicius Dantas me escreveu falando do Chamuscão e pergunta se lembro de histórias daquele local. Tanto ele como eu, vivemos ali, momentos inesquecíveis. Nossa diferença de idade deve ser de aproximados 30 anos e significa que o Chamuscão reinou e fez história na vida de muita gente.
Defronte ao posto de Miguel Labanca, onde hoje é o prédio comercial que abriga a Ótica Poções e a Farmácia de Amorim, ficava o Bar de Duca, a Visgueira. Ao lado, havia uma ponta de terreno e Jorge Dantas resolveu fazer a Churrascaria Chamuscão. Foi construída no ano de 1970.

Fazer churrasco não era a praia de Jorge. Também não era a praia do morador de Poções sair para almoçar ou jantar. Não demorou muito e virou um bar, graças a Deus. O lugar passou a ser o nosso reduto, uma espécie de quartel general da noite (dia) da cidade.

De construção simples, paredes de bambu natural, piso cimentado de xadrez vermelho, mesas e bancos feitos de pedaços de troncos de eucalipto. Tinha sanitários decentes. O sistema de som era controlado de dentro do bar, onde Jorge administrava os dois negócios de uma só vez, através de uma estratégica porta que permitia a ligação entre os ambientes.

A primeira formação de garçons que me lembro foi Tonhá e Obed França. Eram dedicados e atentos a todas as mesas, com liberdade para opinar nas conversas. Jorge os ajudava e era mestre em servir cerveja: se havia duas pessoas ele trazia copos altos e esvaziava a garrafa de uma vez. Se fossem cinco pessoas, trazia copos menores e enchia todos também de uma só vez.

Sábado à noite, pelo menos, havia uma atração e o Chamuscão virava boate, com luz negra, entrada paga e mesas reservadas antecipadamente. Bastava baixar as janelas e se transformava no “ambiente fatal”. Num destes sábados, Ricardo Benedicts lançou o primeiro dos seus discos. O Chamuscão ficou mais famoso ainda. Sempre freqüentado e apoiado pelos principais artistas, poetas e visitantes da cidade. Sem dúvida, pelos melhores bêbados, também. Aliás, eu sempre achei que os nossos bêbados sempre fizeram sucesso porque eles eram bêbados conhecidos e não alcoólatras anônimos.

Marcávamos nossos encontros naquele espaço. Lá, curávamos a ressaca do dia anterior. Lembro do carnaval que Tonhe Banana (Antônio Fagundes Filho) passou em Poções. Fizemos um bloco de pouco mais de 10 pessoas e transformamos o Opala vermelho, de teto preto, em um trio elétrico. Praticamente alugamos o Chamuscão naqueles dias de festas.

Mas, temos que entender que o Chamuscão não representou apenas um bar famoso da nossa cidade. Posicionou-se como um referencial por permitir abertamente a freqüência masculina e feminina (tão liberal que a última mesa da direita era sempre ocupada por Daniel Rosinha, o primeiro travesti oficial e declarado de Poções).

Nossa juventude amadureceu mais cedo, rompeu o tabu de anos, onde beber em bar só era permitido para homens e em espaços chamados de “reservado”. A possibilidade de dar continuidade aos papos nascidos no jardim da praça era ali, no Chamuscão. Podíamos freqüentar até altas horas, sem qualquer preconceito ou julgamento devido à seriedade e respeito sempre impostos pelos Silva Dantas. Além do mais, podíamos, ainda, beber e deixar a conta pendurada e pagar por semana.

Valeu Jorge. Valeu Vinicius pela lembrança. Cabe a nós, saudosistas, confeccionarmos uma placa e afixar na parede do atual prédio:

“Aqui, durante anos, enquanto Chamuscão, viveu e cresceu a juventude poçõense”.


Solicitei a Jorge algumas fotos do Chamuscão e recebo o email com um pequeno texto, o qual transcrevo. Interessante o relato dele, pois nos faz lembrar um pouco mais da história daquele lugar único.


"Lulu,
Naquela época, só Vitinho Borba e o Giovanni que tinham máquina fotográfica e quase ninguém tinha hábito em fotografar, então as fotos que tenho do Chamuscão são pouquíssimas. Estou te mandando algumas que consegui com Bruno Sola fotografando da casa de sua mãe, com o Sr. Luiz Sarno passando em frente da Visgueira (bar de Duca) com aquele passo de "EMA", outras com Rosinha de Alvaro Benígno e Catão. Essa foto que estou em frente onde foi construido o Chamuscão, foi o primeiro carnaval que fizemos com a ajuda de todos vocês que estudavam em Salvador, inclusive na escolha do nome "Sukata no Patropi" e com toda sua decoração sob o comando do nosso grande Pepone. E foi daí que surgiu a idéia de construir um espaço para os outros carnavais, com todo o sucesso que teve o inesquecível "CHAMUSCÃO". Eu sempre comparo o Chamuscão com os Beatles: Os Beatles" revolucionaram a juventude do mundo!!! como o Chamuscão fez a mesma coisa com a juventude de Poções..... naquela época é claro!!!.
Um forte abraço,
Na escuta,
Jorjão"
Em tempo:tem uma passagem sobre o Padre Honorato que quero contar a todos:
A partir da hora que o Chamuscão começou a fazer muito sucesso, foi criando uma certa antipatia naquelas pessoas conservadoras e que tinham "filhas." Aí, gerou muita polêmica a respeito dos frequentadores etc,etc... O Padre Honorato, por sua vez, entrou na guerra para difamar o Chamuscão. Atacava ao vivo e a cores naquele serviço de auto-falantes altamente "picante", aí descia a ripa em plena missa de todos os domingos: "O Chamuscâooooo é um ambiente de prevaricaçãoooo da juventude de Poçõesssssss". Como minha mãe frequentava a missa dos domingos, pedi para conversar com padre, para ele deixar de falar aquelas asneiras. Piorou, aí que ele sentou a ripa sem pena e piedade mais ainda. Usei uma estratégia e subornei o Padre, peguei uma garrafa de vinho surpresa, aquele velho espumante, coloquei num papel de presente e mandei o Tonhá levar o TORPEDO para Noratim, ainda bem que ele não devolveu.....Na próxima missa ele ripou mais leve, ganhei o padre......não dei por menos, aí investi tudo no vinho, mandei Tonhá levar um garrafão de "SANGUE DE BOI". Para alegria de todos, na próxima missa dominical o padre falou:"O CHAMUSCÃOOOOO É O AMBIENTE DE LAZER DA JUVENTUDE DE POÇÕESSSSSS" ganhei o padre......valeu o vinho!!!!!.
Um forte abraço, Jorjão.

domingo, 15 de novembro de 2009

Camisa Amarela

Alguém sempre me pergunta como sei de tantas histórias de Poções. Naturalmente, elas vêm quando lembro das fisionomias das pessoas.

A igreja me ajudou muito. Tive a oportunidade de ser coroinha por um bom tempo. Sabia onde as pessoas sentavam, qual congregação pertencia, da freqüência na igreja e na fila da comunhão. Essa observação transcendia para as ruas. Conheci muita gente e assim me vem as histórias.

Dessa convivência, me lembro de algumas passagens do nosso imortal Padre Honorato Nascimento de Andrade ou Padre Norato, como era comumente chamado.

Na porta lá de casa, quando avistávamos o padre, colocávamos atrás de qualquer porta uma vassoura de cabeça para baixo com um pano enrolado. Era a simpatia usada para que o Padre não demorasse muito. Algumas vezes deu certo. Outras vezes, só foi embora depois do meu pai oferecer uma bebidinha para ele.

Não bastassem as visitas inesperadas, a mais constante era perto do meio dia para ser convidado para o almoço. Mas minha mãe tinha a manha e dizia: - Já estava fazendo um prato para mandar levar na casa do Monsenhor.

Pronto! questão resolvida, só que sobrava pra mim. Eu tinha que levar o prato na casa do padre.

Ele, apesar de teimoso, era um sujeito muito inteligente. A surdez o prejudicava. Desenvolveu a visão e julgava os fatos pelo que via. A mudança da missa em latim para a missa em português o obrigou a desenvolver mais os temas religiosos. Muitas vezes, a prática era sobre o comportamento particular da pessoa e, lógico, não tinha nada com a igreja. Acabava virando tema de discussão da semana.

A compreensão do que se falava era assim: - Padre, amanhã a missa será às sete? Prontamente respondia: - Não, não, às sete, às sete.

Na hora dos batizados, ele colocava a vela na mão de cada criança e perguntava: - Nome deste? Eu dizia o nome, mas não adiantava – ele não ouvia. Simplesmente falava, eu te batizo em nome do pai e do filho.

A mesma coisa era na hora dos casamentos. Ele nunca disse os nomes dos noivos para declará-los marido e mulher.

Usava aparelho de surdez e aumentava o volume da captação sempre que queria ouvir o que lhe interessava. Era uma microfonia só. Um zumbido que as pessoas ouviam de longe.

O aparelho era alimentado por baterias especiais e vendidas apenas no Centro Auditivo Telex, aqui em Salvador. Por causa dessas baterias, viajei muitas vezes. Ele pagava as passagens, o táxi e o lanche. Saia de Poções na sexta à noite, comprava as pilhas no sábado pela manhã e ficava o resto do fim de semana por conta.

Todas as pessoas que o Padre abordava na rua eram chamadas de Joaquim. Ele dizia: - Joaquim, seu fim vai ser morrer! E nessa onda, certa vez, Michele levou o amigo Joaquim Mendes para passar uns dias em Poções. Cruzou logo com o padre e anunciou para o amigo: - Vamos apostar como ele vai adivinhar o seu nome? Não deu outra e ouviu a frase famosa. Admirado, Joaquim perdeu a aposta.

Outra coisa boa era confessar para o padre surdo. Ele fazia as perguntas e a gente só respondia sim ou não. A sentença não deixava de ser a mesma – Salve Rainha uma vez, Ave-Maria e Pai-Nosso três vezes cada.

O padre comprou para a igreja um moderno sistema de alto-falantes. O amplificador parecia uma geladeira, tal o tamanho. Os microfones eram do estilo pedestal e direcionais. Ele mesmo fazia questão de regular o volume, os graves e os agudos. Entendeu que não tinha condições de fazer e passou a adotar marcas pré-definidas nos botões. Para testar o microfone, dava forte soprada e olhava para um de nós pra saber se estava no volume certo. Depois, confiou essa tarefa para Tonhe Gordo.

O tempo passou e a minha colaboração na igreja chegava ao fim. Comecei a espaçar a ajuda e só aparecia na missa de sábado à noite. Eu comprei uma vistosa camisa amarela, de “banlon”, modelo “cacharrel” (gola olímpica), mangas compridas e só usava nas noites de sábado, o padre assimilou o fato do uso da camisa ao meu afastamento da igreja. Passou a me chamar de “camisa amarela” toda vez que nos encontrávamos.

Foi fiel à batina e ao barrete. Poderia ter pregado melhor o “pacem terris” de João XXIII, onde dizia que a paz verdadeira está assentada em quatro pilares: justiça, verdade, caridade e liberdade.

Bom ou ruim, o padre teve o seu lugar por 48 anos à frente da paróquia de Poções.

O nosso poeta Afonso Manta, em texto publicado sobre o Padre, comentou: "Cabe apenas a Jesus o julgamento do nosso Noratin”.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

525

Bem na subida da igreja matriz, onde hoje é o Centro Comercial Francesca Fasano, funcionou a Companhia Telefônica de Poções, no final dos anos 60. Um grande salão, uma central telefônica e as baterias de alimentação do sistema. Três funcionários e capacidade para 50 telefones apenas.

A CTP foi fundada por um grupo de pessoas entre elas Corinto Sarno, Otávio Curvelo, Fernando Antônio Schettini, Pedro Cunha, José Palladino e outros que não me vêm na memória.

Apenas existiam alguns cabos telefônicos troncos. As outras ligações eram feitas de pares simples de fio telefônico desde a central até o local da instalação. Lembro-me do cidadão, o técnico chamado Arivaldo puxando os fios, poste a poste. Foram instalados telefones Ericson, modelos utilizados em extensões – sem os discos de números, fabricados de baquelite na cor preto.

A central era manual, permitia talvez 10 ligações por vez. Os assinantes levantavam o gancho e uma luz acendia no mostrador da central. A telefonista, (Gessy Almeida, foi a primeira) conectava um cabo verde, atendia e recebia o pedido de ligação. Conectava com o outro número através de um cabo vermelho e girava uma manivela para acionar a campainha do telefone na casa do receptor. Um sistema moderno para a época e que permitia o funcionamento mesmo se faltasse energia. O serviço funcionava 24 horas.

O telefone lá de casa foi instalado e o sistema ainda não funcionava. Eu ficava treinando a receber ligações e imitando como se estivesse falando com as pessoas. Assim ficamos por um bom tempo e ansiosos para que o telefone funcionasse.

Numa manhã de sábado, enfim, foi efetuado o primeiro teste. Eu estava sozinho em casa e ouvi aquela campainha estridente tocar. Era o 525 na sua primeira ligação. Sai correndo, procurando por alguém e gritando – o telefone ta tocando... o telefone ta tocando...

Importante registrar o fato por ser a introdução do telefone na nossa cidade. E se o fato é histórico, perdi a oportunidade de receber a primeira ligação no 525 e entrar para o Guiness Book.

Depois, com o passar do tempo, cheguei a ajudar várias vezes na operação da Central. O meu tio Corinto Sarno era o gestor financeiro do negócio e me responsabilizou de fazer a cobrança mensal usando uma bicicleta Caloi, de cor azul. Os formulários de cobrança eram feitos na Tipografia de Alcides Batatinha e todo mês saia entregando e recebendo a taxa mensal.

Na minha lembrança ficou o registro de alguns números de telefones. Quando a Tebasa encampou o serviço, os telefones de três dígitos foram substituídos por telefones de sete dígitos. Hoje, quem tem o telefone na sequencia 3431-1001, 1002, 1003... são os originários dos de três dígitos, os primeiros telefones de Poções.

Quem souber de números antigos de três dígitos e o nome do seu primeiro comprador, me mande para efetuar o registro da história do telefone em Poções. Meu amigo Telson trabalhou um bom tempo na CTP e pode ajudar a lembrar.

Alguns números: 501 - Edvaldo Coletor; 502 – Pedro Cunha; 503 - Padre Honorato; 504 – Omar Rocha e Silva; 505 - Usina da Coelba; 506 - Bar de Arnóbio Andrade; 507 - Correios; 508 – Casa do Promotor; 509 - Pedro da Barreira; 510 – Emílio Sarno; 511 – Farmácia Santana; 512 - Banco do Brasil - Sub Gerencia; 513 - Banco do Brasil - Carteira Agrícola; 525 – Amedeo Sangiovanni; 527 – Corinto Sarno; 530 – Bar de Duca; 543 – José Palladino; 548 – Arnulfo Ramos Silva (Lulu); 550 – Giovanni Sola; 551 – Fernando Antônio Schettini; 555 – Nelson Santana; 559 – Vicente Ventura; 563 – Marcolino Melo Ferreira.

Colaborou: Jorge Dantas (Bufão)

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Cada vez mais, Lulu "Chorão"

Recebi emails e comentários de pessoas dizendo que havia esquecido de colocar o meu apelido na crônica Apelide. Mas estava lá, antes da relação. Depois, eu coloquei na relação classificada. Outras pessoas perguntaram: porque Lulu Chorão?

Se o apelido é público, a explicação também é pública.

Nunca mexi nesse assunto pra valer, nem tive curiosidade de “trabalhar” a mente para descobrir as razões, mesmo porque continuo chorando até hoje e isso me faz muito bem.

Vem do tempo que estudava no Grupo Escolar Alexandre Porfírio, ali na Praça da Liberdade. Quando ia pra escola, já encontrava a primeira concentração de colegas sentada na escada da Prefeitura. Quando apontava, a turma começava o coro: “Vai chorar!!! Vai chorar!!!”. Minha sorte era ter o apoio moral e físico de amigos escudeiros como Kleber Campelo, Fernando Braga, Miguel Sola, Jota Fagundes e Sidnei do Sargento Severino. Eles tentavam amenizar o coro e ainda eram solidários comigo.

Muitas vezes, usei o choro para fugir de provas e perguntas difíceis. A manga comprida da fardinha caqui vivia sempre molhada de lágrimas, pois apoiava os braços sobre a carteira e a cabeça sobre eles e só levantava quando a situação já estava mais amena. Se os professores não entendiam o choro, imagine se eu deveria controlar ou procurar entender. Por conta, tirava boas notas e, na maioria das vezes, nem fazia as tarefas. Juro que não era choro de conveniência.

Um fato eu tenho que registrar: Sempre chorei quando o assunto estava relacionado com a minha mãe. Certa vez, defronte ao Alexandre Porfírio, ela passou em um carro dizendo que ia levar comida para as velhas (as velhas, eram umas senhoras cegas que moravam pros lados da rua de Boa Nova), eu não entendi e pensei que ela estivesse viajando pra Salvador. Não deu outra, a galera puxou o coro e o “Vai chorar!!!” predominou.

Recentemente, baixando músicas pela internet ouvi “Coração de Luto”, de Teixeirinha, que era muito tocada em Poções. Lembrava-me do quanto era triste e trágica aquela história. A angústia me fez lembrar do passado. Eu tinha um medo terrível de perder a minha mãe e ficar como aquele jovem da letra da música. É o subconsciente, que a gente pensa que não existe mais e, de repente, explica atitudes e fatos. Mas, se uma boa terapia busca explicação em coisas do passado, com essa, eu fiquei livre de algumas sessões.

Assim, chorando, eu fui enfrentar o Ginásio. Lá, eu chorava bem menos. Imagine se eu ia chorar na frente de Dr. Irundy.

Interessante: o tempo passou, mas agora eu sei porque e pra quem eu choro. Na chegada da Bandeira, eu choro do Poçõensinho à porta da Igreja. Choro dirigindo, choro ouvindo música, choro pelos meus parentes e amigos. Choro em ver as demonstrações de fé das pessoas. Choro em ver noiva entrando na igreja. Choro quando vejo histórias de pessoas que se superaram com esforço individual. E se for uma formatura, aí eu seco as lágrimas e me recomponho depois, na festa.

Na verdade, eu choro com o coração. É a conjunção muito forte de passado com o presente. Cada lágrima é uma história consolidada. A emoção é sempre à flor da pele.

Cada vez mais, sou Lulu Chorão!!!

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Fazendo fole...

Outro dia fui trabalhar e dei carona ao meu amigo e colega de trabalho Guilherme Junot. Ele é natural de Ilhéus e o nosso apoio por todo o interior da Bahia.

Leitor assíduo da coluna, todo domingo à noite me liga e diz: - Lulu, li sua coluna. Ilhéus é igualzinho, tem essas mesmas histórias!

Fica fácil conversar com ele porque as particularidades são próximas. Busco mais uma relação e vejo que somos da mesma Capitania, a dos Ilhéus, do donatário Jorge de Figueiredo Correia e pergunto:

- Você sabe o que é fazer fole? A gente não se agüenta na risada e ele responde:

- Você está na profissão errada, devia ser jornalista!

A conversa continua e emplaco: - “Fazer fole” é diferente de “bater o fole”, você não acha? Mais alguns momentos de gargalhadas e vamos lembrando das coisas comuns. Antes, eu peço que responda a diferença entre “fazer fole” e “bater fole”. Ele emenda que o ferro de gomar, além do fole, precisa do sopro de quem passa a roupa, cuidando para que as fuligens não caiam no tecido.

- Fazer fole é entregar alguém, fofocar, brincar com as pessoas, estou certo? disse ele.

Tão certo que Guilherme foi aprovado no seu conhecimento de termos comuns usados na capitania hereditária. A conversa agora começa a ficar séria. Nós passamos por tudo isso e não faz muito tempo. Fomos lembrando de coisas e comportamentos de outras épocas, das mudanças no curto espaço de tempo.

Durante a conversa, ia ligando as coisas que aconteciam em Poções. No beco apertado, havia a maior quantidade de alfaiates. O fole da tenda de Tani (Otoniel Monteiro Costa) ficava na porta e quando a gente passava, tinha sempre alguém batendo. Mais abaixo, na tenda de Arnóbio, Valter e Déo também tinha o fole em plena atividade. O mesmo acontecia na tenda de Alfredo, na subida para Morrinhos

Falamos da facilidade em que hoje compramos nas farmácias. Ligamos e pedimos, sem cerimônia, um pacote de camisinhas, modess e outros e quando recebemos conferimos os produtos na frente do entregador. Lembrei-me da farmácia de Fábio Rocha e a cena era comum: Um cidadão precisava comprar modess (absorvente feminino) para a esposa e não tinha coragem de entrar na farmácia e fazer o pedido. Os modess eram vendidos em caixas de papelão e ficavam arrumados no alto da prateleira. O cliente apenas cumprimentava Fábio e olhava em direção à prateleira e com o bico apontando para que ele entendesse. Lógico que não precisava falar nada e nem pagar. Habilmente, a despesa ia para a nota.

Nas farmácias de Dr. Ari, Fábio e Seu Olímpio, existiam os almanaques Fontoura e Sadol. Quem lia a histórias de Jeca Tatu acabava tomando Anquilostomina para combater o hospedeiro que causava o amarelão. E tome Capivarol, Emulsão Scoth, biotônico Fontoura, Cafiaspirina e tantos remédios – alguns deles ainda fabricados.

Fui contar essas histórias na casa da minha sogra e a juventude de lá não se lembra da enceradeira. Imagine alguém se lembrar do escovão, aquele que tinha uma placa de ferro para ajudar a pressionar as cerdas no chão. Bater o escovão depois de espalhar a cera por toda a casa, era um trabalho insano. A invenção da enceradeira poupou o trabalho de muita gente. Interessante que os cachorros manchados de vermelho também sumiram.

Não faz muito tempo, 45 anos, luz era um objeto carente. Bastava “quebrar” o motor e a cidade ficava dias sem energia. Era na base de pequenos geradores que funcionava o cinema e algumas casas. Geladeira só a gás. Os rádios eram na base do acumulador de energia. A cidade tinha o seu movimento a noite limitado até as 22 horas, quando tudo escurecia. São Jorge estava lá, na lua, e se enxergava melhor a constelação do Cruzeiro do Sul.

A energia elétrica é a responsável pelas comodidades dos dias atuais. Será que conseguiríamos trocar o chuveiro elétrico pela lata d´água? Viver sem computador depois das dez da noite? Trocar a lâmpada pelo candeeiro a gás? Estudar com luz de velas?

Pois é, tomar Coca-Cola em Poções era negócio de luxo, só existia em Conquista. O máximo que circulava na cidade era gasosa de limão e guaraná Fratelli Vita. Crush e Grapette eram coisas moderníssimas e comercializadas em engradados de madeira.

Andorinha e Campineiro eram as marcas dos distribuidores de doces naqueles caminhões pretos, Mercedes-Benz, ano 56, cara redonda. Com sorte, ler um jornal só com dois dias de atraso. Quando uma pessoa morria fora de Poções, a notícia vinha via rádio ou telefonavam para Conquista e de lá partia um mensageiro e, muita vezes, o falecido já estava enterrado.

E Zé Carlos Leto ainda me escreve dizendo que tempos bons eram esses daí e viaja nesse tempo de saudades...

Nossa sorte Zé, é que nunca jogamos pedra na cruz, a não ser no pé do cruzeiro da Lapinha e não foi nenhum pecado.

E se não foi pecado, será que foi progresso mesmo chegarmos até aqui?

Depois eu conto o dia em que o telefone tocou em Poções pela primeira vez. E essa garotada vive reclamando do celular e do acesso à internet.